Especial 4 – Para músico, favela é usada como "bode expiatório"

06/09/2005 - 10h42

Vítor Abdala
Repórter da Agência Brasil

Rio - Durante o carnaval, a imagem da Rocinha para o Brasil e o mundo vem da escola de samba Acadêmicos da Rocinha, que desfila no grupo especial do carnaval carioca. Mas a arte na Rocinha não se resume ao samba. Dançarinos, músicos de vários estilos, artistas plásticos e profissionais da moda também vivem na favela e sofrem com a ocupação policial.

Para cantor de rap e dançarino Luis Carlos, o Luck, a Rocinha é usada como "bode expiatório". Morador da comunidade, ele divide o tempo entre as aulas de rap para crianças de escolas públicas e as atividades do Grupo de Break Conscientes da Rocinha. Com dez anos de existência, o grupo vai comemorar o lançamento de seu primeiro CD com uma apresentação, em setembro, em um dos mais famosos espaços para shows no Rio, o Circo Voador.

Para Luck, é preciso que a sociedade carioca conheça a favela e acabe com preconceitos, que contribuem para a ação truculenta da polícia. "O que tem que acontecer é uma auto-avaliação de toda a sociedade, tanto do asfalto como da polícia, e a comunidade já sabe disso. A violência é causada pela sociedade inteira. Não é a favela que fabrica essas coisas. É toda uma sociedade que é culpada por essa violência. Aí, o pessoal só culpa lá em cima. Mas quem vai comprar as drogas é o pessoal lá de baixo também. Lá embaixo também tem o tráfico de drogas. Isso acontece muito nessas grandes boates que tem por aí. A favela é só o bode expiatório", lamenta Luck.

O artista plástico José Jaime, o Geléia, tem 47 anos de vida e de Rocinha. Em seu currículo, estão exposições em vários espaços culturais na cidade do Rio e em outros países, como Alemanha, França, Noruega, Japão e Estados Unidos. As conquistas na carreira não o tornam diferente dos demais moradores da favela diante da polícia.

Geléia conta que, alguns meses atrás, acordou com uma arma na cabeça, apontada não por um bandido, mas por um policial que havia invadido sua casa, enquanto dormia. "Ele estava dentro da minha casa. Por coincidência, eu tinha deixado a porta da sala aberta. Ele não arrombou, mas meteu a mão na porta e entrou dizendo 'Não adianta! Polícia!'. Eu acordei assustado. Ele pediu documentos, então me identifiquei, ele olhou, entrou no meu quarto, viu meus quadros, viu meu trabalho. É uma coisa de louco, você acordar sete horas da manhã com uma arma no meio da sua cara", diz ele.

O artista lembra também que, dada a origem social dos policiais, o tratamento deveria ser outro e não se explica por desconhecimento da situação. "A maioria deles, 99% dos policiais, também moram em áreas carentes", argumenta. "A única coisa que pode melhorar esse tipo de coisa é a conscientização do policial, de que ele está entrando em uma comunidade onde existe a violência, onde existem bandidos, mas onde também existem pessoas ordeiras."