Jurista diz que desconfiança generalizada contra parlamentares só se resolve com reforma política

18/08/2005 - 8h07

Da Rádio Nacional

Brasília – Na segunda parte de sua entrevista concedida à Rádio Nacional AM de Brasília, o jurista e professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Dalmo Dallari diz que a "participação intensa e clara" dos parlamentares na aprovação de medidas que promovam a reforma política é a forma que os políticos têm de escapar do limbo e do quadro de desconfiança generalizada gerado pelas atuais denúncias de corrupção.

Dallari também repele a proposta que vem sendo encaminhada por representantes da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil, de se eleger uma Assembléia Constituinte em 2006 com a missão de elaborar a reforma política. Para o jurista, a atual Constituição já prevê todos os mecanismos necessários para promover as mudanças necessárias, incluindo-se a ampliação da participação popular, com mecanismos de democracia direta (previstos no artigo 14, mas atualmente submetidos a autorização prévia do Congresso).

Rádio Nacional - No Congresso Nacional, há alguns que pedem a convocação de uma Constituinte em 2006, apenas para tratar da reforma política. Como o sr. avalia esse pedido?

Dalmo Dallari - Eu acho totalmente absurda essa proposta: a Constituição não tem a mínima culpa do que está acontecendo. E a Constituição dá todos os meios, dá o caminho para a correção das falhas, para o aperfeiçoamento do sistema político eleitoral. Basta levantar as questões, discutir e fazer emendas. A Constituição prevê a hipótese de emendas. Isso não torna necessário uma Constituinte.

Uma Constituinte exige condições político-sociais muito especiais. É preciso que haja uma motivação muito grave, um envolvimento muito grande do povo. Agora não há nada disso, não estão presentes os pressupostos para uma Constituinte. Além disso, é preciso não esquecer, nós temos no Brasil em vigor, uma Constituição rigorosamente democrática, feita com muita participação do povo, mas que, além disso, é uma Constituição muito boa, uma Constituição humanista, uma Constituição que firma princípios que são fundamentais e que prevê, inclusive, modos de participação do povo no exercício do poder.

É a primeira Constituição brasileira que prevê expressamente democracia representativa e democracia direta. Diz que o poder vem do povo e será exercido, ou por meio de representantes, ou diretamente. Então, é preciso cumprir, e não revogar a Constituição. Para as mudanças necessárias, existe o processo de emendas, que é normal, regular e está expressamente previsto na Constituição.

RN - Há vontade de realmente se fazer uma reforma política?

Dalmo Dallari - Essa é realmente uma questão muito importante, porque muitos desses problemas que estão agora sendo apontados estão nas manchetes dos jornais, estão na televisão. Era um problema já sabido de todos, muita gente sabia que tudo isso corria e muitas vezes se cobrou do Congresso Nacional o aperfeiçoamento do sistema, algumas mudanças constitucionais, mudança na legislação ordinária.

Houve uma excessiva acomodação de senadores e deputados, que há muito tempo já deviam ter tomado a iniciativa de levar adiante as propostas. Já existem no Congresso várias propostas tramitando. O que deve ser lembrado, que a imprensa deve insistir muito, neste aspecto, é que, de modo geral, os políticos estão saindo muito desmoralizados de todo esse cenário. E o que poderá acontecer é que o povo estabeleça que não vai reeleger ninguém, que sempre vai renovar. Porque existe possibilidade de que, renovando, melhora. Então, a manutenção do atual sistema poderá ser também um desastre para os que estão, agora, exercendo um mandato.

Eles estão num limbo, há uma desconfiança generalizada. E a maneira de reconquistar, de mostrar que merecem a confiança do povo, é a participação intensa e clara no encaminhamento da reforma política. De maneira que, embora haja uma resistência dentro do Congresso, feita, sobretudo, exatamente pelos que usam métodos corruptos para se eleger, isso agora está ficando mais fácil de identificar, e acredito que, apesar dessa resistência, haverá também uma pressão popular, e vamos acabar tendo uma reforma política.

RN - Muita gente acha que esse quadro todo, no final, não vai dar em nada...

Dalmo Dallari - A esta altura, já não cabe dizer que não vai dar em nada. É um equivoco antigo entre nós achar que uma CPI só é boa quando, no final, alguém vai para a cadeia. Não é isso. A CPI é um instrumento de controle do governo, mas é também um instrumento de avaliação, verificação, pesquisa aprofundada de problemas, de grande interesse do povo brasileiro. Por exemplo, uma CPI já verificou a questão do tratamento da criança e do adolescente, já houve comissão a respeito de polícia, tudo isso é muito útil.

Eu tenho absoluta convicção de que já produzimos bons resultados. Houve, e está havendo ainda, excessos de espetáculo, de exibicionismo, mas, acho que sobretudo esse despertar da consciência do povo em grande parte já ocorreu, e isso é um resultado muito positivo.

RN - Qual a avaliação sobre o procedimento do PT em relação a todo esse quadro?

Dalmo Dallari - O Partido dos Trabalhadores não tinha percebido a extensão, ou a importância da sua responsabilidade. Muita gente no PT continuava se comportando como se ainda estivesse em campanha eleitoral. Essa gente não havia percebido que o partido em campanha, fazendo propostas, é diferente do partido que elege o governante. E não tinha percebido também que o fato de o eleito, no caso o presidente da República, ser do PT não significa que ele tenha adquirido o direito de ignorar os outros partidos, ignorar o povo que não votou nele. Porque, na verdade, ele foi escolhido para governar para todo o povo, e junto com todos os partidos.

Eu tenho a impressão de que o PT está, sim, passando por uma crise interna, mas que ele está tomando consciência de que a sua responsabilidade é muito grande e, para manter o prestígio, para ainda ser visto pelo povo como uma boa saída, no sentido da democratização, da implantação de uma sociedade mais justa, ele precisa estar bem preparado, precisa assumir responsabilidades e governar junto com os outros. Porque o governo é para todo o povo.