Da Rádio Nacional
Brasília – O Brasil não vive uma crise institucional, apenas uma crise política acompanhada de "muito teatro", avalia o jurista e professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Dalmo Dallari. Ele lembra que Executivo, Judiciário e Legislativo funcionam normalmente no país, enquanto a população tem adquirido consciência crescente da importância da participação constante na vida política do país, como forma de exercer controle constante.
Leia a seguir a primeira parte da entrevista concedida por Dallari à Rádio Nacional AM de Brasília, esta semana. Na conversa, ele avalia ainda que seria positiva para o país a convocação do Conselho da República, conforme proposto por representantes da sociedade civil na semana passada.
Rádio Nacional - Qual o rumo para que caminha a atual situação política do nosso país?
Dalmo Dallari - Eu naturalmente estou muito atento a tudo o que está acontecendo. Não acho que estejamos vivendo um momento de crise institucional. Acho que, em grande parte, essa crise foi criada, foi fomentada. Há uma aparência de crise. Houve muito teatro, e está havendo ainda, mas, no essencial, as instituições continuam funcionando normalmente.
O setor mais prejudicado é o Congresso Nacional, pelo fato de existir o grande espetáculo das CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito). Mas o Executivo funciona, o Judiciário funciona, e o próprio Congresso, apesar da precariedade, está aberto, livre, funcionando plenamente. Então, nós não estamos vivendo, na verdade, um momento de crise institucional. Estamos vivendo um momento de crise política, isto sim, mas é uma questão mais superficial e, portanto, deve ser encarada dessa maneira. Há aspectos a serem considerados, há mudanças a serem feitas, mas não há motivos para nenhum alarde.
RN - E a população está compreendendo de fato essa situação?
Dalmo Dallari - Eu cheguei a ter medo de que a população, em face de todas as revelações, sabendo que a nossa vida política é tão recheada de corrupção, tendesse a pedir ou aceitar mesmo a ditadura. Achar que é inútil ter Congresso Nacional, inútil ter partido e eleições, porque, na verdade, tudo isso é uma farsa.
Mas, o que está acontecendo é uma reação melhor: é a população mais atenta, mais crítica. Eu tenho a convicção de que o comportamento do cidadão brasileiro, do eleitor, será melhor daqui por diante. Porque as pessoas estavam muito desatentas, não assumindo a sua responsabilidade. A atitude era de quem ia votar, cumprindo uma obrigação legal e, com isso, considerava já satisfeitas as suas responsabilidades e dada a sua contribuição para a democracia.
Hoje ficou muito evidente que não é assim, é preciso que o cidadão acompanhe permanentemente o desenvolvimento da vida política, que esteja atento, que faça uma escolha muito cuidadosa na hora de votar. E que, além disso, depois, exerça controle sobre os que foram eleitos. Então é um avanço, no sentido positivo, essa reação da população brasileira.
RN - É o momento para se convocar o Conselho da República?
Dalmo Dallari - Eu acharia muito salutar uma convocação do Conselho da República. É um órgão muito pouco conhecido dos brasileiros, mas está na Constituição de 1988. Depende do presidente convocar esse conselho: ele não pode ser forçado a convocar, ele convoca quando achar que é o caso.
A Constituição prevê, primeiro, a possibilidade de convocação do Conselho da República quando houver a hipótese de uma intervenção federal, ou estado de defesa, ou estado de sítio. Nós não temos nada parecido com isso. A segunda hipótese é para discutir questões relevantes, no caso de instabilidade das instituições democráticas.
Isso não significa que o fato de o presidente convocar seja o reconhecimento de que nós estamos em crise institucional. Significa apenas que ele acha bom, importante, oportuno reunir um grupo de pessoas muito qualificadas, para discutir questões importantes, que tenham significado, sejam relevantes para garantir a estabilidade democrática. Seria muito bom que o presidente fizesse essa convocação.
Isso também não significa a diminuição da autoridade do presidente. Porque é o próprio presidente quem convoca e, além do mais, pelos próprios termos da Constituição e da lei que regula o conselho, o presidente não é obrigado a fazer aquilo que se aconselhar. O conselho é um órgão consultivo da República.
É importante lembrar que as pessoas que integram o Conselho da República têm uma posição importante para saberem o que realmente está acontecendo, para avaliar o que pode ou deve ser mudado. O presidente preside o Conselho. São membros o vice-presidente da República, os presidentes da Câmara de Deputados e do Senado, os líderes da maioria e da minoria, tanto na Câmara quanto no Senado, além do ministro da Justiça e de mais seis cidadãos brasileiros.
Todos esses personagens vão se reunir a portas fechadas. É a pluralidade política que estará reunida, e reunida numa sala fechada, sem os holofotes da televisão, sem nenhuma tentação para o exibicionismo. Eles deverão discutir maduramente, serenamente, questões relevantes para a estabilidade democrática do Brasil.