Projeto atual de reforma política não elimina infidelidade partidária, dizem especialistas

11/08/2005 - 20h58

Gabriela Guerreiro
Repórter da Agência Brasil

Brasília - A proposta de criação de listas fechadas de candidatos nas disputas eleitorais, parte do projeto de reforma política que atualmente tramita na Câmara, não foi considerada por especialistas o melhor caminho para combater a infidelidade partidária no país.

Segundo o professor Andre Marenco dos Santos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a melhor maneira de segurar políticos nos partidos é exigir um tempo mínimo de permanência na legenda. A proposta foi apresentada durante a Conferência Internacional sobre Desafios e Perspectivas do Fortalecimento das Instituições Políticas Brasileiras, encerrada hoje na Câmara dos Deputados.

Segundo o professor, entre 1995 e 2002, cerca de 30% dos candidatos trocaram de partidos depois de assumirem os cargos para os quais foram eleitos. Ele ressaltou, no entanto, que em alguns estados brasileiros esse percentual caiu para 11%, como é o caso do Rio Grande do Sul e Pará. Já o estado de Roraima registrou índice superior a 75% no troca-troca partidário nesse mesmo período. "As diferenças por estado não se explicam pela magnitude ou tamanho do eleitorado. O que explica essa discrepância é a volatilidade registada entre os partidos", ressaltou.

Na opinião de Andre Marenco, determinar um período mínimo de filiação é uma medida mais efetiva do que simplesmente reformar o sistema político brasileiro. "Se queremos mais fidelidade, o caminho mais curto não é a reforma política, mas as exigências para um tempo maior de permanência no partido", disse. Ele ressaltou que o projeto da reforma política em tramitação na Câmara, ao contrário, vai incentivar a infidelidade partidária com as listas fechadas. Segundo o projeto, cada eleitor passará a votar no partido de sua preferência, e não mais em um candidato individualmente. O partido vai elaborar listas que vão apresentar os candidatos, por ordem de importância, a se elegerem pela legenda.

Para o professor Carlos Ranulfo, da Universidade Federal de Minas Gerais, o Brasil precisa reestruturar os partidos políticos como forma de reduzir as desigualdades registradas no sistema eleitoral do país. "Precisamos de partidos na democracia. Os países latino-americanos tiveram suas crises políticas conectadas a crises nos partidos. Primeiro, temos que dar legitimidade aos partidos para que possam atuar", disse.

Os requisitos mínimos que deveriam ser preenchidos por um partido, na opinião do professor, se resumem a quatro: ser nacionalmente organizado, ter apresentado candidato competitivo na última eleição para a Presidência da República, possuir núcleo ideológico identificado e ter o mínimo de unidade política em seu interior. Apenas três partidos atualmente, segundo o professor, atendem a todos os requisitos: PT, PFL e PSDB.

O deputado Alexandre Cardoso (PSB-RJ), que participou da conferência, também defendeu o fortalecimento dos partidos políticos no Brasil. Segundo o deputado, a mudança no sistema partidário passa diretamente pela determinação clara das idéias defendidas por cada legenda. "Ninguém sabe o que cada partido defende, se é contra ou favor do aborto, por exemplo. Cada parlamentar faz a sua relação individual com a sociedade, e o partido não tem posição formada. O mensalão é resultado desse processo", afirmou, em referência às recentes denúncias de compras de votos.

Na avaliação do deputado, os candidatos se preocupam em firmar relações "paroquiais" com sua base eleitoral como forma de garantir votos - ao contrário de agir em nome do partido. "As pessoas passariam a escolher posições, e não o voto individual. Ao contrário do que acontece hoje, quando as pessoas votam em candidatos que promovem ações sociais. E nos últimos 40 anos os investimentos sociais desse país foram ridículos", criticou.