Especialistas dizem que só financiamento público para campanhas não impede corrupção

11/08/2005 - 14h38

Marcela Rebelo
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Proibir o financiamento privado de campanhas políticas não é a solução para o fim da corrupção, segundo avalia Delia Ferreira, da Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais (Internacional Foundation for Election Systems – EUA). Ela diz que a proibição só gera incentivo para se esconder a real origem das doações. "A realidade não pode se esconder atrás de uma norma política", afirmou hoje (11) durante a Conferência Internacional sobre Reforma Política e Fortalecimento das Instituições Políticas Brasileiras.

O atual projeto de reforma política que tramita na Câmara inclui o financiamento público para campanhas, tornando ilegais as doações privadas para campanha. Delia disse que, mesmo sendo proibido, o financiamento privado continuará existindo. E os recursos, em vez de serem utilizados para as campanhas políticas, "vão para o enriquecimento dos dirigentes, para a compra de políticos". Ela ressaltou que, na América Latina, existe uma idéia de que a solução para muitas questões é criar proibições. Mas ela lembrou que não são criados organismos independentes para fazer valer essas restrições. "Qualquer lei que surja deve ser acompanhada de um mecanismo independente de controle", disse.

Ela destacou que criar regras não é suficiente. Para Delia, é necessário haver uma mudança cultural. Ela ressaltou que, na América Latina, há uma perda de confiança nos partidos políticos. Disse também que existe atualmente uma percepção de que a corrupção está no âmbito da política e que a sociedade é honesta. "Mas os políticos são reflexo da nossa cultura", disse. Segundo Delia, todos devem valorizar a transparência. "É necessário que haja um compromisso real de todos os atores: políticos e sociedade civil", destacou.

Delia lembrou o exemplo de Buenos Aires, que, segundo ela, teve experiência pioneira na proibição do financiamento privado para campanhas. Ela contou que as empresas continuaram a manter doações para os partidos, disfarçando-as, por exemplo, como doações de pessoas físicas.

Cesar Micheo, do Instituto Internacional Republicano (Internacional Republican Institute – EUA), que também participou da Conferência, defende o financiamento misto de campanha. Cesar não concorda que se proíba o financiamento privado porque, para ele, os partidos têm que ser fortes para ajudarem na formação da democracia. "Como pretendemos que os partidos criem valores políticos se não têm recursos?", destacou.

Na opinião dele, os partidos políticos têm a função de educar o cidadão. "Se eles recebem recursos de forma ilícita, como podem ensinar valores e princípios"? Ele afirmou que, muitas vezes, a população não defende o financiamento privado porque não vê o governo aplicando recursos em áreas essenciais à população. "Como é possível que se faça financiamento de partido político, se não se faz para construir escolas e hospitais que são verdadeiramente necessários?", destacou.

Michael Toner, da Comissão Federal Eleitoral (Federal Election Commission-EUA), explicou que, nos Estados Unidos, existe o financiamento público de campanha. Mas, quando o candidato utiliza verba pública, passa a ter um limite de recursos privados a serem utilizados na campanha. Por isso, muitos preferem não optar pelo financiamento público. "Nos últimos dez anos, muitos candidatos se recusaram a usar dinheiro público e com isso pôde angariar quanto quisesse no âmbito privado", explicou.

Para Toner, o sistema de financiamento de campanhas eleitorais nos Estados Unidos está ultrapassado e deveria ser atualizado. "O sistema está em grandes apuros", disse. Segundo ele, um candidato que disputa a presidência pode receber até US$ 18 milhões de recursos públicos. Toner acredita que esse valor deveria passar a US$ 150 milhões.

Os debatedores lembraram ainda que o Brasil já tem uma espécie de financiamento público para os partidos e as campanhas, que são o fundo partidário e o horário eleitoral gratuito em rádio e TV (cujo valor, equivalente ao que o canal ganharia com publicidade no tempo cedido é abatido do imposto devido pelas emissoras).