Apesar das dificuldades, garimpeiro diz ter saudade de Serra Pelada

28/05/2005 - 8h43

Brasília, 28/5/2005 (Agência Brasil - ABr) - O garimpeiro Francisco das Chagas, de 44 anos, é um dos mais de 40 mil que deverão se recadastrar para obter o direito de explorar novamente o garimpo de Serra Pelada. No início de 1982, quanto tinha apenas 21 anos, Francisco deixou a família em Ceilândia, cidade satélite de Brasília, atraído pelo convite de um tio que trabalhava em Serra Pelada para empresários de São Paulo, donos de um dos lotes de mineração, conhecidos como barrancos.

No garimpo, Francisco trabalhava como apontador, uma espécie de fiscal que anotava quantos sacos de areia cada homem carregava. Ele lembra que no auge da exploração de ouro em Serra Pelada, cerca de 100 mil homens trabalhavam no garimpo, em plena floresta amazônica. O buraco de onde saía o valioso minério, também conhecido como tilim, ocupava uma área equivalente ao estádio do Maracanã.

No apogeu de Serra Pelada, as imagens que circularam o mundo lembram um grande formigueiro humano de gente suja de lama subindo e descendo os barrancos. Os homens trabalhavam cavando o solo e carregando sacos de mais de 30 quilos de terra, que eram levados até um local plano para serem peneirados.

Os garimpeiros faziam muitas viagens por dia. Muitos tinham a sorte de encontrar ouro em toda a terra que peneiravam. "Peguei pouco ouro, mas houve casos de pessoas que pegaram até duas toneladas", relembra Francisco. Ele conta que não conseguiu juntar dinheiro, que a vida não mudou. "Garimpeiro jovem é um desastre. A gente gastava muito com bebida, mulher, forró, coisa de garimpeiro mesmo", diz.

Mas a vida no garimpo não era feita só de festa. Muitas lembranças ruins estão guardadas na memória do ex-garimpeiro Francisco. "Vi muita gente no sol quente se tremendo com febre e sem sentir calor". A febre era causada pela malária, que matou muitos garimpeiros. "Você via que as pessoas precisavam de um acompanhamento médico, mas isso não existia em Serra Pelada", conta.

Além das doenças tropicais, Francisco lembra que muitos morriam soterrados ou despencavam das escadarias. "Os barrancos caíam, eu não tenho noção de quantas pessoas morriam soterradas na época, mas eram muitas". Outros enfrentavam animais selvagens, como onças e cobras, para entrar ilegalmente no garimpo. Entre os sobreviventes, problemas de pulmão, causados pelo mercúrio utilizado na busca de ouro, e dores na coluna são os mais comuns.

Francisco das Chagas deixou o garimpo em 1986 e voltou para Brasília. Casou, teve dois filhos e atualmente trabalha como motorista de ônibus, por um salário mensal de R$ 800. E diz que está analisando se volta ou não para Serra Pelada. "Se for uma coisa boa, eu vou. Apesar de toda a dificuldade, Serra Pelada deixou saudades. A brisa é diferente, a natureza, o clima, a paisagem. Creio que ali ainda tem muito ouro".