Mylena Fiori
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – A Organização Mundial do Comércio (OMC) é instituída no final da Rodada Uruguai, em 1994, e começa a funcionar oficialmente a partir de janeiro de 1995, com sede em Genebra. Na mesma época é instituído um órgão para solução de controvérsias entre os países-membros da organização. A partir daquele momento, passam a existir regras e disciplinas que todos devem seguir. "Do ponto de vista jurídico, fica muito mais fácil enquadrar quem não cumpre as regras de comércio internacional", avalia Mário Ferreira Presser, coordenador do Curso de Diplomacia Econômica da Unicamp.
Por outro lado, as regras estabelecidas – e que hoje, ditam o jogo do comércio internacional – são iguais para todos os 148 países-membros, independentemente de seu grau de desenvolvimento e competitividade. "Os EUA chamavam isto de nivelar as regras do jogo, mas o que aconteceu é que a Rodada Uruguai tratou de forma igual os desiguais e tornou as regras injustas", destaca o economista.
A implementação dos acordos da Rodada Uruguai foi tema da 1a Conferência Ministerial da OMC, em 1996 em Cingapura/Cingapura. Nova Rodada de negociações – a Rodada do Milênio - seria lançada na conflituada 3ª Conferência Ministerial , realizada em Seattle/Estados Unidos em 1999. A Conferência acabou sendo suspensa por impasses nas negociações e por intensas manifestações contra a OMC por parte da sociedade civil.
Ferreira Presser lembra que foi um momento de avaliação dos primeiros cinco anos da OMC: "O diagnóstico era de que os mais ricos ficaram mais ricos e era necessário mudar as regras para evitar a concentração de riqueza no Norte", avalia. Poucos foram os países ganhadores no Hemisfério Sul, como a China e a Índia, lembra o economista - todos estavam do lado asiático e nenhum deles tinha adotado políticas liberalizantes.
"Em Seattle houve a sublevação dos pobres, junto com a falta de consenso entre os ricos", resume o professor da Unicamp. Na sua avaliação, Seattle é o resultado dos conflitos entre Estados Unidos e União Européia sobre a continuidade ou não da abertura da economia internacional e em que setores e da "revolta dos pobres com os resultados pífios da globalização".
O professor acredita que o ataque terrorista às torres gêmeas nos Estados Unidos, às vésperas da 4ª Conferência Ministerial, em Doha, capital do Catar, em 2001, influenciou os rumos da reunião ministerial. "Naquele momento, em Doha, tornou-se importante voltar a ter uma visão multilateral e reafirmar que estávamos todos no mesmo barco, íamos iniciar uma nova rodada e esta nova rodada iria corrigir algumas das iniqüidades presentes no sistema", avalia. Neste contexto é lançada a Rodada Doha, chamada de Rodada do Desenvolvimento pois nascia com a ambição de dar atenção especial aos direitos dos países em desenvolvimento.
A nova rodada, que deveria durar 3 anos e foi prorrogada até 2007, estabeleceu uma agenda negociadora considerada ambiciosa – superando, inclusive, a cobertura de temas da Rodada Uruguai. Ferreira Presser destaca que por sugestão dos países em desenvolvimento entram em pauta questões referentes às responsabilidades corporativas das transnacionais, relações entre comércio e pobreza, relações entre comércio, FMI e Banco Mundial...Os europeus, por sua vez, querem discutir temas como comércio e meio ambiente e as questões de Cingapura (facilitação de comércio, leis de concorrência, liberalização de investimentos). E há, ainda, questões pendentes como liberalização de agricultura e serviços. "A agenda de Doha é extremamente ampla e complexa", diz o economista.
A agenda não avançou na 5ª Reunião Ministerial, em 2003 em Cancun, no México. O economista lembra que Estados Unidos e Europa tentaram fazer o que sempre fizeram até então: se acertaram num manifesto sobre Agricultura e os países em desenvolvimento deveriam simplesmente aderir. "Pela primeira vez nós dissemos Não. Isto não serve aos países em desenvolvimento, não vamos assinar e temos outra proposta", explica. Desde então, Estados Unidos, União Européia, Brasil, Índia e Austrália vem comandando as negociações e influenciando os rumos da Rodada Doha. "Acho que vai levar um bom tempo para os países desenvolvidos conseguirem absorver nossas propostas. Esta é uma rodada para dez anos. Europa e Estados Unidos, através de acordos regionais, vão tentar cooptar muitos países. Tem muito chão pela frente", acredita.