Especial 1: Brasil tem maior e mais complexa rede de bancos de leite do mundo

15/12/2004 - 14h37

Iara Falcão
Repórter da Agência Brasil

Brasília - A professora Sueli de Matos Felipe Alves ficou preocupada quando a filha, Beatriz, de dois meses, não conseguia mamar ao peito. Sueli sabe da importância do aleitamento materno para o desenvolvimento e a saúde de sua filha: o leite humano é rico em nutrientes e protege o bebê contra doenças. A professora não teve dúvidas. Foi direto ao Banco de Leite Humano mais próximo de sua casa, o do Hospital Regional da Asa Norte – HRAN, em Brasília –, e aprendeu a estimular a própria produção de leite para que não fosse mais necessário dar mamadeira.

O Banco de Leite do HRAN é um entre os 180 que constituem a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, considerada a maior e mais complexa do mundo. Eles estão presentes em mais de cem municípios, em quase todos os estados, e desempenham um papel importante que se reflete nas taxas de mortalidade infantil antes e depois da implantação da rede. No final dos anos 70, em alguns lugares do Brasil, morriam cerca de 160 crianças por mil nascidas vivas. Na época, existiam apenas cerca de 10 bancos de leite no país. Dos anos 80 para cá, quando se estabeleceu uma política de aleitamento materno e de incentivo aos bancos de leite, eles se multiplicaram. Hoje, a taxa de mortalidade infantil é quase seis vezes menor, segundo a coordenadora da Política Nacional de Aleitamento Materno do Ministério da Saúde, Sônia Salviano.

A coordenadora da Política Nacional de Aleitamento Materno aponta que, entre 1989 e 1999, houve um crescimento de 38% no aleitamento exclusivo até os quatro meses de idade. "Esse foi um dado fantástico, que nenhum país do mundo conseguiu. É um impacto importante da rede nacional de bancos de leite", comemora.

Outro índice do sucesso do programa foi dado pelo coordenador da rede, João Aprígio Guerra de Almeida. Ele conta que, entre 1998 e 2000, três milhões de mulheres que iam deixar de amamentar os filhos antes dos seis meses de idade foram estimuladas pelos bancos de leite e voltaram a dar o leite materno aos filhos. "Isso é inédito. É tão inédito que a Organização Mundial de Saúde considerou o trabalho da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano como o que mais contribuiu para a redução da mortalidade infantil e para a promoção do aleitamento materno dentre todos os que foram desenvolvidos na década de 90". Em 2001, o próprio João Aprígio recebeu, em nome da Rede Brasileira de Bancos de Leite, um prêmio da Fundação Japonesa Sasakawa, durante a 54a Assembléia Geral da OMS.

A razão dos resultados é que os bancos de leite humano brasileiros atuam como um pólo de incentivo ao aleitamento materno e fornecem leite em condições adequadas de consumo a mais de 100 mil bebês prematuros ou internados em hospitais, por ano. E, para atender a clientes tão especiais, obedecem a um rigoroso controle de qualidade e a padrões de funcionamento.

O coordenador da rede destaca ainda que, mesmo países desenvolvidos como França e Estados Unidos, não possuem tantos bancos de leite funcionando coordenadamente e com uma metodologia tão desenvolvida para garantir a segurança do leite fornecido aos bebês. "Se nós somarmos todos os bancos de leite existentes no mundo, a gente não chega nem perto do que existe em funcionamento hoje no Brasil", afirma Aprígio. Nesses países, o que existem são associações de bancos que não funcionam coordenadamente. E enquanto no Brasil os serviços são gratuitos, na França, em alguns bancos de leite, paga-se até US$ 35 pelo litro.

Com tecnologias e metodologia próprias, baixo custo, alto padrão de segurança do leite fornecido e grandes retornos em termos de saúde, o Brasil tornou-se um exemplo para outros países. Os vizinhos Venezuela (ver reportagem), Equador e Uruguai estão adotando o modelo brasileiro. Neste mês, dois técnicos vão a Quito, capital do Equador, para capacitar profissionais da maternidade Isidro Ayora, como resultado de um convênio assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em agosto deste ano.

No Uruguai, já existe um banco funcionando, outro está sendo implementado e um curso está sendo preparado para ajudar os profissionais uruguaios a organizarem a sua própria rede. Funcionários do Ministério da Saúde da Argentina devem participar desse curso. E do outro lado do Atlântico, a África do Sul já manifestou interesse pelo programa do Brasil. No ano que vem, Brasília sedia o congresso internacional que será o primeiro passo para a criação da Rede de Bancos de Leite da América Latina e Caribe. Atualmente, o país investe cerca de R$ 6 milhões na Política Nacional de Aleitamento Materno, segundo o Ministério da Saúde.