Especial - Brasil escolhe 31 mulheres para o Nobel da Paz 2005

07/05/2004 - 11h30

Eduardo Mamcasz
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Mil mulheres de 225 países, entre eles o Brasil, serão indicadas para receber, em conjunto, o Prêmio Nobel da Paz 2005. Este projeto, uma iniciativa da Fundação Suíça de Mulheres pela Paz, é levado adiante por 19 coordenadoras, entre elas a brasileira Clara Scharf, 78 anos de idade e 59 de militância política. O prazo para as indicações termina no dia 30 e devem ser apontadas mulheres que estejam vivas e ainda militando pelas causas do ser humano. Para obter informações, basta ligar para (11) 3337-3109, escrever para o endereço eletrônico claramilmulheres@rnaves.com.br, ou acessar o site www.1000peacewomen.org. Uma biografia da mulher indicada terá de ser escrita no formulário específico.

"O prêmio vai possibilitar a valorização da mulher que defende a vida humana e ela merece muito mais porque, na verdade, não está lutando só por ela, mas por todos", explica a feminista Clara Scharf, que amargou sua primeira prisão política ainda nos tempos de Getúlio Vargas. Após o golpe militar de 1964, o companheiro de Clara, Carlos Marighela, foi assassinado "no auge da tortura" e ela, cassada por dez anos, passou para a clandestinidade.

A mulher escolhida entre as 31 brasileiras que irão participar da lista das Mil Mulheres para o Prêmio Nobel 2005 "será julgada por seu valor verdadeiro e não por ser ou não famosa", garante Clara, em depoimento ao programa "Revista Amazônia", que irá ao ar a partir de segunda-feira (10), em cinco episódios, até sexta-feira (15), das 7h30 às 8h. "O importante é saber o que a mulher indicada tem de valor próprio, o trabalho que ela faz e como afeta a vida das pessoas", acrescenta.

Seleção

No dia 30, quando estiver concluída a fase de indicações de mulheres, cada país participante fará a seleção de acordo com o número que ficou determinado pela organização, determinado pela população do país. No caso do Brasil serão 31; no da Índia, 150. Uma comissão fará a escolha "de acordo com os critérios do Prêmio Nobel da Paz". A última avaliação das mil mulheres será feita na Suíça e a lista final irá para a Noruega em janeiro de 2005.

Clara Scharf, que também integra o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, lembra que "cada país, a partir da escolha, tornará pública uma ampla documentação do trabalho que essas mulheres fazem anonimamente, intervindo para acabar conflitos, melhorar condições de vida da população e mostrando capacidade criativa para mexer, positivamente, com a vida das pessoas".
Na opinião dela, o reconhecimento dessas mil mulheres de todo o mundo vai ajudar a estabelecer "uma teia entre o trabalho delas e os povos que irão se reconhecer na escolha delas". Para tanto, ela assegura que o trabalho dessas mulheres tem tudo a ver com o novo conceito de paz, que "diz respeito principalmente à segurança humana".

Quando chegar a época da indicação final, em Oslo (Noruega), sede do Prêmio Nobel da Paz, haverá um sorteio para que três mulheres de continentes diferentes, representem as mil indicadas na cerimônia solene. Como coodenadora do projeto no Brasil, Clara Scharf, garante que o dinheiro do prêmio será usado "em futuros projetos de mulheres que lutam por causas que as levaram à indicação".

Desde 1901, quando foi criado, o Nobel da Paz já premiou 80 homens, 10 mulheres e 20 Organizações. As premiadas são Bertha Sofie Felicita Von Suttner (1905), baronesa austríaca, autora de livros contra a guerra; Jane Addams (1931), norte-americana que organizou a assistência aos pobres de Chicago na Depresão; Emily Greene Balch (1946), pacifista americana, presidente da Liga Internacional da Mulher paras a Paz e Liberdade; Betty Williams e Mairead Corrigan (1976) irlandesas, líderes de um movimento contra a violência na Irlanda do Norte; Madre Teresa de Calcutá (1979), por sua vida dedicada aos pobres e doentes na Índia; Alva Myrdal (1982), ministra do Desarmamento da Suécia; Aung San Suu Kyi (1991), que arriscou a vida como líder da oposição birmanesa; Rigoberta Menchu (1992), defensora dos direitos humanos na Guatemala; e Jody Williams (1997), inglesa, coordenadora da campanha internacional contra minas terrestres.

Militância

Feminista desde os anos 50, Clara Scharf acha que a situação da mulher "mudou muito". Mas lembra que "continuam a existir, infelizmente, o machismo, a discriminação e a desiguldade entre homem e mulher". Com um riso cheio de energia que não denuncia os 78 anos de idade, comenta: "O bonito é que as mulheres nunca pararam de lutar e por isso elas mexem com o ser humano".

Clara foi filiada ao Parltido Comunista Brasileiro de 1945 a 1960 e entre os "períodos mais difíceis da vida" cita a fase final do governo Getúlio Vargas, nos anos 50. Teve a casa invadida e destruída no governo Jânio Quadros, mas o que considera "o pior" ocorreu nos chamados "anos de chumbo", que culminaram, para ela, com o assassinato do companheiro em 1969 e com os nove anos de exílio que se seguiram. "Começaram a prender, matar e torturar já na antevéspera do endurecimento da ditadura militar, por volta de 1968. Foi uma coisa infame, com todas as prisões, torturas e mortes, e ninguém podia se manifestar, só na clandestinidade", lembra Clara.

No depoimento à Rádio Nacional da Amazônia, ela também lamentou não ter sido mãe: "Não me foi possível ter uma vida familiar durante as ditaduras". Mas Clara Scharf ajudou a criar o filho do companheiro, Carlinhos Marighela, "que está vivo e cujos filhos eu considero meus netos". Na opinião da feminista, "tudo o que você faz em defesa do ser humano, é vida; a paz é vida, desde que esta paz defenda a saúde, a liberdade, a terra e os direitos humanos: tudo que afeta a vida tem a ver com a segurança humana".