Zezinho do Araguaia, um sobrevivente da guerrilha

06/03/2004 - 10h15

Adriano Gaieski
Repórter da Agência Brasil

Xambioá (TO) - Sorriso fácil, fala mansa e semblante sereno, embora sejam visíveis as marcas dos 65 anos de idade, a maior parte deles vividos na clandestinidade. Este é Micheias Gomes de Almeida, nome de guerra Zezinho do Araguaia, um dos mais de 80 codinomes usados por ele para fugir da repressão, mas que também o tornou conhecido e até hoje visto como um herói no norte do Tocantins. Zezinho é um dos oito sobreviventes da Guerrilha do Araguaia, movimento político armado que tentou derrubar a ditadura militar nos anos 70. Ele participou de vários combates em três anos de militância armada.

Só em 1997 pode usar seu verdadeiro nome. Antes, por questão de sobrevivência usava nomes e documentos falsos. Mas não se arrepende. "Minha vida toda defendi a liberdade do meu país. Sou da época em que se lutava ao lado de Monteiro Lobato pelo "Petróleo é Nosso". Eu vivo com isto e a Guerrilha do Araguaia foi um movimento de amor pela liberdade. Minha vida é pautada nesta luta".

Além de pegar em armas, o ex-guerrilheiro orgulha-se de ter participado da construção de Brasília, como marceneiro e eletrecista.

A militância política mais radical começou no início dos anos 60, com a legalização do PCdoB. Antes disso chegou a participar do Grupo dos 11, do antigo PTB, de Leonel Brizola, e também fez parte da Juventude Operária Católica. "Na minha vida tive um pouco de participação na luta organizada no país", orgulha-se.

Zezinho foi um dos precursores da Guerrilha do Araguaia, onde chegou em 1971 para participar da preparação militar dos guerrilheiros e só saiu depois das últimas batalhas no Pará, Goiás e no Maranhão. Nascido em Capanema, a 120 quilômetros de Belém, Zezinho do Araguaia orgulha-se de ter vivido na Ilha do Marajó e conhecer "muito bem" o Pará, o Maranhão e o Amazonas.

"Esta é a minha terra e agora estou de volta no meio da minha gente, do meu povo, dos meus irmãos. Nossa vida é de respeito com o outro. Queremos o desenvolvimento, mas com respeito".

O grande sonho de Zezinho do Araguaia é que seja encontrada a ossada de Osvaldo Orlando da Costa, o Oswaldão, um negro de 1,98m, engenheiro metalúrgico, especialista em pedras preciosas, com formação guerrilheira na extinta Tchecoeslováquia, na Polônia e na China. Por sua formação e coragem era um dos líderes do movimento. Foi caçado pelos militares até ser assassinado por um informante conhecido com Piauí. "Não tenho muita ilusão, pois muitas ossadas foram retiradas dos locais onde estavam enterradas e com as dele pode ter acontecido a mesma coisa", resigna-se Zezinho.

Da época da guerrilha, o momento que ele lembra com maior emoção foi a chegada dos militares. De acordo com Zezinho do Araguaia, houve até festa por parte dos poucos guerrilheiros, uma centena talvez, pois todos acreditavam que era chegado o momento mais esperado, o do confronto.

"O povo brasileiro depositava as esperanças de liberdade em nós. Aquele momento foi o mais magistral da minha vida. O resultado foi a abertura e o momento democrático pelo qual passamos hoje. Lamento que muitos de meus companheiros não estejam vivos para ter a mesma satisfação. Não fomos derrotados. Uma batalha pode ter vitória de forças opositoras. Mas é uma perdida aqui e dez ganhas ali. O país vive hoje com um poder constituído, governado por um operário e isto não foi mudado da noite para o dia, mas de gerações em gerações".

Até os dias de hoje Zezinho do Araguaia reconhece que a população de Xambioá sofre os traumas dos anos 70. Ele lembra, sem citar nomes, o caso de uma família que o pai foi preso pelos militares, acusado de colaborar com a guerrilha. Esta pessoa, depois de muito torturada, ficou frente a frente com seu filho de 12 anos de idade. "Mandaram o menino cortar talos de coco babaçu e bateram com este material até matar o pai. Depois, deram um facão para o garoto e o obrigaram a separar a cabeça do corpo do pai. Esta criança viveu com o remorso e, adulto, morreu no ano passado. Pouco antes disso me falou que eu poderia revelar isto somente depois da sua morte".

Depois do início do confronte, em 1972, Zezinho conta que a vida deles era andar com uma mochila nas costas. "A noite era a nossa casa e o quintal o terreno onde estávamos. Serpenteávamos por quase 8 mil quilômetros quadrados de matas, embora a área toda chegasse próximo dos 40 mil quilômetros quadrados, do Maranhão ao norte de Goiás e Sul do Pará. Nós estávamos em fase de preparação quando fomos atacados pelo Exército", lembra.

Cristão, que costuma freqüentar missas e igrejas evangélicas, garante não ter mágoas do Exército ou da Aeronáutica, seus adversários numa guerra na selva. "Me sinto feliz e até honrado de ver que os militares agora estão contribuindo para a elucidação desta história. Sinto a satisfação de ver aqueles que nos combateram estarem agora nos ajudando neste momento histórico para o país. E eu estou inserido neste momento, que pertence ao povo brasileiro. Na época os militares defendiam um regime constituído, contra a nossa vontade, mas que era real. Agora eles defendem a democracia".