Brasília, 7/12/2002 (Agência Brasil - ABr) - O pesquisador Marcos Eberlin, do Instituto de Química (IQ) da Universidade de Campinas (Unicamp), quer entender a arquitetura química dos seres vivos, o que, objetivamente, significa, buscar explicações científicas para a origem da vida.
Ele e sua equipe do Laboratório Thomson integram um projeto sobre a semelhança de organização das moléculas, a chamada homoquiralidade.
Iniciado com experimentos de um aluno do pesquisador, Fábio Gozzo, e do professor Robert Graham Cooks, na Universidade de Purdue (EUA), o projeto visa encontrar a resposta para o dilema apresentado por Louis Pasteur, há dois séculos. O cientista francês provou, então, que os seres vivos nascem obrigatoriamente da própria espécie. "Homo significa homogêneo e quiralidade é a propriedade que algumas moléculas têm de serem quase idênticas. Elas só diferem porque, num espaço tridimensional, uma aponta para a direita e outra para a esquerda, como se fossem nossas mãos espalmadas", afirma Eberlin.
As chamadas moléculas quirais foram descobertas por Pasteur. Ao realizar experiências com o ácido tartárico, ele observou no microscópio que eram dois cristais distintos e os separou. Todas as propriedades físicas e químicas eram as mesmas, exceto uma. Quando se passava uma luz polarizada, um dos cristais desviava a luz para a direita e o outro para a esquerda. Na experiência repetida por Eberlin, ele conseguiu sintetizar as moléculas quirais em laboratório. O resultado foi um conjunto, uma mistura das duas moléculas que apontam para direções distintas, nas mesmas proporções. Metade era do grupo "L", de levógeros, que são as moléculas que apontam para a esquerda. A outra metade era do grupo "D", de dextrógeros, as moléculas que se direcionam para a direita.
Em tudo o que existe na natureza, o normal é que elas coexistam. "O surpreendente, quando olhamos o organismo humano, é que todos os aminoácidos são "L", não há nenhum "D". Daí analisamos os açúcares, que também deveriam ter "L" e "D", mas todos são "D", não há "L". Como explicar isso num mundo todo assimétrico, aquiral, onde sempre deveríamos encontrar uma mistura dos dois?", questiona-se Eberlin. Até hoje, não há explicação científica para a ocorrência única de uma das formas. Daí porque Eberlin e sua equipe resolveram elucidar o mistério, o porquê da separação do grupo "D" para aminoácidos e do grupo "L" para açúcares, na formação de seres vivos. Os aminoácidos são as estruturas que formam as proteínas.
Espectrometria de massas - As equipes de Marcos Eberlin e Rober Cooks realizaram os experimentos, com auxílio da espectrometria de massas, técnica de análise instrumental da química, que permite visualizar o universo molecular com precisão. Eles flagaram algo que não tinha sido descoberto antes, a possibilidade de moléculas dos grupos "L" e "D" formarem uma estrutura cilíndrica, quando misturadas, separando-se naturalmente. "Foi bastante interessante, pois nunca se pensou que esse processo de separação pudesse ocorrer naturalmente", comenta Eberlin. Eles comprovaram, posteriormente, a propagação do processo de separação para outros aminoácidos. Afinal, o organismo tem mais de uma dessas substâncias.
O pesquisador está otimista quanto ao fato de ter proposto uma explicação para a primeira etapa do processo de homoquiralidade dos seres vivos, ou seja, como separar naturalmente os aminoácidos. Mas não alimenta ilusões quanto à seleção, que é a segunda etapa e que, possivelmente, nunca será explicada na totalidade. "Quando nada se tem, o primeiro passo é extremamente importante", justifica.
Para Eberlin, aqueles que tentam explicar a criação da homoquiralidade dos seres vivos, ou homoquirogênese, usam, de certa forma, teorias um tanto "obscuras". São, explica o pesquisador, processos físicos como a ação da luz polarizada, o campo magnético da terra e a separação de moléculas na superfície de cristais. "São teorias difíceis de provar ou contestar. São fundamentos meio esotéricos, como a de que os aminoácidos quirais teriam surgido em outro planeta e trazidos para a Terra por um cometa. Era uma questão mais de fé do que de razão, em que se acreditava ou não. Este é o primeiro mecanismo químico relacionado com a homoquiralidade e, conseqüentemente, com as teorias sobre a origem da vida".
Marcos Eberlin acredita que os pesquisadores buscam conhecer mais sobre o organismo humano, na medida em que tentam entender a arquitetura química dos seres vivos. Ele próprio admite sua curiosidade cristã, para explicar a motivação de seus estudos. "Minha grande motivação para fazer ciência é entender como Deus cria as coisas, usando as próprias leis da química e da física. Se você perguntar a outro cientista, ele poderá dizer que procura entender como se dá a criação pela natureza. Para mim, esse processo de separação dos aminoácidos e açúcares é uma marca, a 'assinatura química' que Deus deixou nos seres vivos".
O projeto de Eberlin, na Unicamp, com uso da técnica espectrometria de massa e suas aplicações em química e bioquímica conta com financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o projeto de Rober Cooks , na Universidade de Purdue, é financiado pela agência de fomento norte-americana National Science Fundation (NSF). (com informações do JUnicamp)