Leandra Felipe
Correspondente da Agência Brasil/EBC
Bogotá – Atualmente, a Colômbia é o país com o maior número registrado de deslocados internos, ou desplazados, como são chamados os colombianos que abandonam cidades e terras por causa da guerra. Mais de 4,7 milhões de pessoas deslocaram-se internamente devido ao conflito armado. Grande parte delas mora em favelas nas grandes cidades, onde também vivem ex-guerrilheiros e desmobilizados que dividem com os vizinhos desplazados as dificuldades de adaptação, moradia e emprego.
No caso dos deslocados, a maioria não consegue regressar ao seu local de origem, devido à continuidade do conflito. O programa Caminhos da Reportagem, da TV Brasil, conheceu famílias que se deslocaram e que não conseguiram regressar.
Boa parte vive nas favelas das grandes cidades como a capital Bogotá, Medellín e Cali. Tereza Ortiz mora em Ciudad Bolívar, uma favela nas montanhas ao Sul de Bogotá. Ela saiu de Chocó, departamento na região do Pacífico colombiano, por causa da violência dos paramilitares. Vive em Bogotá há quase dez anos. Trabalhou como doméstica quando chegou, mas agora está desempregada e vive em um barraco em condições precárias. Em sua cidade natal, tinha casa própria e um restaurante.
“A diferença é que lá, além de ser onde nasci, me criei. E a gente chega aqui fugindo de violência e encontra mais violência”, desabafa, comentando que o bairro é um dos mais violentos da capital.
Os deslocados internos são as vítimas mais numerosas do conflito e convivem com os desmobilizados das guerrilhas e ex-paramilitares que optaram pela busca a reintegração à vida civil. Juan (nome fictício), morador de Ciudad Bolívar, desmobilizado das Farc concluiu o programa do governo para a reintegração. Durante sete anos foi acompanhado pelo governo, recebeu uma bolsa financeira e frequentou a todas as reuniões programadas.
De acordo com a Agência Colombiana para a Reintegração, em dez anos, mais de 55 mil pessoas se desmobilizaram. A maior parte da desmobilização foi coletiva dos paramilitares - as Autodefesas Colombianas (AUC) -, realizada após um acordo com o presidente Álvaro Uribe, em 2006. Os restantes são de desmobilizações individuais de ex-guerrilheiros da Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e do Exército da Libertação Nacional (ELN).
Juan se desmobilizou há sete anos depois de viver cinco anos como guerrilheiro nas Farc. Ele conta que entrou em busca de oportunidades, mas logo viu que não era o que esperava. “A verdade é que eu tinha deixado a minha família de lado e a qualquer momento podiam matá-la. Comecei a pensar em tudo e a pensar que não valia a pena estar ali”, diz.
Ele tem uma barbearia em Ciudad Bolívar, montada com ajuda do governo. Estuda em curso técnico à noite. Antes, concluiu o ensino fundamental com apoio do programa. Ao sair também se casou e tem uma filha de 3 anos. Juan diz que há muitas barreiras para sair. “Quando você sai, você luta contra os princípios da organização e, naquele momento, todos viram seu inimigo, porque te consideram traidor”.
Ao mesmo tempo, ele ressalta que, também, há dificuldades para a reintegração. “A gente não tem formação, não tem trabalho e tem o preconceito. Se sabem o que você era antes, te demitem”.
Os desmobilizados que participam do programa recebem nos primeiros anos uma bolsa de até R$ 520 e são acompanhados também por psicólogos e assistentes sociais. Martha Hernandez, uma das coordenadoras do programa, fala que o primeiro desafio é vencer o preconceito social.
“A sociedade tem uma má aceitação e não perdoa. Esse tema tem que ser trabalhado todos os dias. E não é fácil. Temos uma história e não podemos dizer que não aconteceu nada”, destaca.
Alguns exemplos são positivos e considerados casos de “sucesso”. Ederlidia Garzon, 44, tem uma confecção e clientes de empresas importantes. Fez parte das AUC e trabalhou como costureira, confeccionando uniformes para o grupo. No começo não sabia do que se tratava, mas depois descobriu que eram paramilitares.
Ela disse que pela falta de opções na região em que vivia e com três filhos para sustentar, continuou fazendo os uniformes. Em 2006, quando viu a propaganda que convocava para a desmobilização, abandonou o grupo. Mas teve que fugir duas vezes e sofreu um atentado.
Buscou a ACR e conseguiu se estabilizar e montar seu próprio negócio. Hoje, emprega ex-guerrilheiros e ex-paramilitares. “Não é fácil, tive muito medo de que algo acontecesse com meus filhos, mas acreditaram em mim e estou aqui agora, de cabeça erguida”, fala, orgulhosa.
Edição: Marcos Chagas
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