Violência deve ser tratada em sua complexidade, diz filósofo Edgar Morin

22/06/2009 - 20h41

Lincoln Macário
Repórter da TV Brasil
Brasília - Se violência geraviolência, submeter um jovem infrator ao cárcere só fortalece seu lado agressivo. Esta é uma das várias declarações humanistas do filósofofrancês Edgar Morin, que está no Brasil para uma série de palestras eseminários. Enquanto o mundo se preocupa com os conflitos entreiranianos, é o pobre e esquecido povo do Sri Lanka que ele lembra emprimeiro lugar quando perguntado sobre formas de violência que mais opreocupam. Quanto aos conflitos no Irã ele afirma que as informaçõesvindas de lá devem ser sempre analisadas em seu contexto histórico,político e social.Em entrevista exclusiva concedida à TV Brasil, ele explica sua Teoria da Complexidade. Autor de 30 livros, entre eles a trilogia O Método e Os Sete Saberes Necessários àEducação do Futuro, Morin avalia que o mundo ainda não compreendeu aimportância do erro – um desses sete saberes – e revela que a educaçãomudou pouco nos últimos anos, pois permanece ainda muito negativa.Prestes a completar 88 anos, Morinse empenha em popularizar os conceitos de Política da Civilização ePolítica de Humanidade. Admirador do Brasil, o professor concedeu a entrevista em português. Recém-chegado da França, ainda não tinha “tomado um banho deportuguês” necessário para deixar suas frases mais “belas”. A mistura,porém, não tirou o caráter inovador de suas ideias. A entrevista vai ao ar às 21h de hoje (22) na TV Brasil.TV Brasil - O assunto que o traz a Brasília são os direitos humanos e, em especial, as formas de violência. Nesse tema, que tipo de violência mais opreocupa?Edgar Morin - A mais preocupante é a violência que vemcom as guerras, as perseguições, como é a violência que chegou ao SriLanka há poucas semanas. A população, aos milhões, está emsituação de horror, de matança. Isso é o mais grave. Mastambém são as violências urbanas, cotidianas, matrimoniais,muitos homens que golpeiam as mulheres, os pequenos, uma situação muitoimpressionante. Mas a coisa mais importante é quando sediz, vamos fazer violência para acabar com violência. Emcondições gerais, violência, gera outra violência. É um ciclo que não se interrompe. A questão fundamental é como parar aviolência. Fazer com que em um momento não exista mais violência. E hávários caminhos: são os caminhos da compreensão. Por exemplo: aviolência juvenil. Ser jovem é um momento de transição. Se essa violência é respondida com a violência docárcere, vai se produzir delinquentes mais fortes. Outra política decompreensão para a pessoa fazer sua transformação é um momento demagnanimidade, de perdoar a pessoa e interromper o ciclo de violência. Existem exemplos, limitados, como de Gandhi, que sem violênciateve sucesso contra o império inglês. Há vários tipos de meios. Hojepodemos pensar em lutar contra todas as formas de violência, com osmodos apropriados para cada forma de violência.TV Brasil - O senhor é conhecido no mundo inteiro, e muito estudado, também noBrasil, pela Teoria da Complexidade. Como se poderia resumi-la?Morin - Falamosprimeiro de violência. Na complexidade, não podemos reduzir uma pessoa aseu ato mais negativo. O filósofo Hegel disse: se uma pessoa é umcriminoso, reduzir todas as demais características de sua personalidadeao crime é fácil. Entender, não reduzir a uma característica má umapessoa que tem outras característica, isso é a complexidade. Uma pessoa humana tem várias características, é boa, má e muitomais. Devemos entender que a palavra latina complexussignifica tecido. Em geral, o nosso modo de conhecer que vem da escolanos ensina a separar as coisas, e não religá-las. A complexidadesignifica religar. Por exemplo: um evento, um acontecimento, umainformação. Quando chega umainformação sobre o que ocorre no Irã, por exemplo, devemos entender ocontexto político, histórico, social. A complexidade busca favoreceruma compreensão maior que a compreensão que vem de se isolar a coisas,colocar o contexto, todos os contextos em uma situação.TV Brasil - No Os SeteSaberes Necessários à Educação do Futuro, o senhor fala da importância do erro. A humanidade já compreende e já aceita melhor o erro?Morin - É uma coisa que disseDescartes, o problema de errar é não saber que se erra. Eu penso que émuito inteligente quando se sabe que se comete um erro e se esquece doerro. Penso que é muito importante conhecer as fontes do erro. Deonde vem o erro.TV Brasil - Mas a humanidade vê melhor o erro do que há dez, vinte ano atrás?Morin - Pensoque não há progresso, o sistema de educação não mudou, é cada vez maisnegativo. Os problemas globais fundamentais são cada vez mais fortes.Por isso penso que há a necessidade de reformar a educação. Com umaidéia melhor de como se faz o conhecimento e também compreensão humanados outros. Penso que minha proposta será muito útil para odesenvolvimento nosso futuro.TV Brasil - Para aceitarmosa complexidade, é preciso umareforma do pensamento e enxergar o mundo de outra maneira.O senhor acha que os meios de comunicação tradicionais essa reforma do pensamento ou é uma tarefa para a internet?Morin - A internethoje dá uma possibilidade de multiplicação de informação e comentários,que é muito útil, por que a vida de uma democracia é a pluralidade dasopiniões, visões, sem a homogeneidade da imprensa. Não há muitasdiferenças na grande imprensa. É muito útil a internet, o que nãosignifica que não há coisas falsas que venham dessas redes. Mas é aeducação que dá à pessoa condição de ver e confrontar o que vê nainternet e na televisão. Penso que hoje a internet dá uma possibilidadede mudança muito grande, por exemplo, pela complexidade. No México, háum curso de complexidade da educação virtual, com 25 países.TV Brasil - O senhor tem se dedicado muito apensar a política e tem feito a separação da política da civilização e da política da humanidade. Qual a diferença?Morin - A política decivilização luta contra todos os efeitos negativosda civilização ocidental. É para restabelecera solidariedade, humanizar a cidades, revitalizar os campos. Cadacivilização tem suas virtudes, qualidades, suas diferenças, isso éverdade também para a civilização ocidental. Também para ascivilizações de pequenos povoados, como índios da Amazônia,conhecimentos de plantas, animais, arte de viver, novos curativos, comoos xamãs. A política de humanidade é combinar o melhor de cadacivilização, fazer um simbiose no nível do planeta onde o melhor domundo ocidental,  que são os direitos humanos, direitos da mulher, apossibilidade do individualismo - mas não do egocentrismo - que combine outras civilizações, onde há mais solidariedade. Aquestão é lutar contra os defeitos dascivilizações e pegar o que há de melhor. Porque nas civilizaçõestradicionais não há só coisas boas como solidariedade. Há tambémdogmatismo, autoridade demasiada dos mais velhos, do homem sobre amulher. A ideia é tirar o melhor de cada, nãoidealizar a civilização tradicional ou a ocidental.