Dependentes de crack enfrentam indefinição de tratamentos e problemas no sistema de saúde

13/03/2009 - 8h17

Mariana Jungmann e Marco Antonio Soalheiro*
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - Internação,medicamentos, grupos de auto-ajuda, espiritualidade. A indefiniçãopara o tratamento de dependentes de crack abre o leque depossibilidades para os que procuram ajuda ou cura. A doença,chamada adicção, manifesta sintomas nas crises deabstinência, como tremores, forte agitação, suorexcessivo e, em alguns casos, até reaçõesviolentas.Os tratamentos têm, aospoucos, abandonado técnicas radicais, como amarrar o pacientee utilizar medicação forte para acalmá-lo, que estão sendo substituídas por alternativas cujo ingrediente principal é aforça de vontade.

Ainternação, na área de drogas, não éindicada para todos os casos. Depende muito das condiçõesda família e da comunidade de abrigar esse usuário”,explica a professora Maria Fátima Sud Brack, do departamentode Psicologia Clínica da Universidade de Brasília(UnB), e coordenadora do Programa de Estudos e Atençãoàs Dependências Químicas (Prodec).

A inexistência de métodoseficazes comprovados de tratamento prejudicam o atendimento aousuário de crack. “Há relatos de muitos psiquiatrasque o crack chegou à classe média. E não temosprotocolos de tratamento bem sucedidos. Profissionais desta áreatêm dito que ainda não estão consolidadosmecanismos de tratamento”, diz o coordenador do Núcleo dePesquisa em Criminalidade, Violência e PolíticasPúblicas de Segurança da Universidade Federal dePernambuco (UFPE), José Luiz Ratton.

Emfunção da forte debilitação causada pelocrack, a especialista da UnB afirma que os dependentes precisam deatendimento de urgência. Além disso, segundo ela, otratamento é um quesito que desafia a área de saúde.

Com o crack,o atendimento teve que mudar completamente, porque exige algourgente. E não é uma desintoxicaçãoclássica, com psiquiatras. É um atendimento, àsvezes, de pronto socorro, de emergência. É uma questãode saúde nova que desafia a todos”, avalia a psicólogada UnB. O coordenador do Grupo Amor Exigente, em Brasília, César Ricardo Rodrigues da Cunha, é a favor da internação e acredita que o usuário crônico de crack deve ser tratado por uma equipe especializada, formada por psicólogos e psiquiatras, antes de começar uma terapia.Ele critica ainda o atendimento prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Tirando clínicas particulares, não existe local especializado. Só o Caps, que faz um trabalho de redução de danos, trocando uma substância por outra [mais fraca]”, afirmou.Os Centros de Atenção Psicosocial (Caps) fazem parte do programa de saúde mental do Ministério da Saúde. Na semana em que a reportagem da Agência Brasil procurou o ministério para saber como é feito o tratamento de dependentes químicos, a assessoria de imprensa do órgão informou que o coordenador da área não estava disponível para dar detalhes sobre o programa.A assessoria explicou, por meio de nota, que o governo investiu, em 2008, mais de R$ 1 bilhão em todo o programa de saúde mental, mas não informou os valores específicos para o tratamento de dependentes químicos.Segundo a especialista da UnB, entretanto, os serviços de saúde mental muitas vezes se recusam a aceitar dependentes de crack. “Você pode imaginar uma instituição de saúde que não aceita um usuário de crack? Já tive que encaminhar paciente e não pude dizer que era um dependente de drogas, senão não aceitava”, conta.A socióloga Sílvia Ramos aponta que não há preparo para atendimento a dependentes químicos dentro desses centros. “Tenho verificado um atordoamento dos profissionais em centros de atendimento psico-social. Há um total despreparo. Ninguém sabe nem para onde levar um garoto que está usando crack”, afirma a especialista da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro.

Se o sistema público desaúde não apresenta respostas ao problema, osdependentes químicos procuram outras formas de se ver livre dovício. Foi em uma comunidade terapêutica evangélicaque Carla, 30 anos, moradora de Brasília e ex-usuáriade crack, procurou ajuda e despertou sua espiritualidade. Para ela,ler a Bíblia durante o tratamento foi fundamental para arecuperação. “Em clínica, o tratamento é de 45 dias. Em comunidade terapêutica é de três a seis meses. Já tenho sete internações. Já vi gente usando droga dentro de clínica. Às vezes leva escondido, sai e volta com a droga”, afirma.