Poder Público foi “sócio” das milícias no Rio, avalia presidente de CPI

28/08/2008 - 1h21

Luciana Lima
Enviada especial
Rio de Janeiro - O Poder Público no Rio de Janeiro não fechou os olhos para a milícia, na opinião do presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias instalada na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputado Marcelo Freixo (P-SOL). “Ele foi sócio”, avalia o deputado.“Se o Poder Público tivesse fechado os olhos, as milícias não teriam crescido tanto. Ele abriu os olhos, se interessou pelas milícias, ajudou a eleger pessoas que ocupavam cargos na segurança pública, incentivou. Estou falando de ações concretas como ajuda orçamentária a centros sociais controlados por milícias, permissão para que os chefes de milícias se candidatassem utilizando suas legendas”, avalia o deputado, referindo-se ao DEM, partido do prefeito Cesar Maia.A “associação”, na opinião do deputado, teve claro objetivo eleitoral. “Muitos políticos foram beneficiados pela milícia. Basta observar que ex-secretários de Segurança tiveram suas campanhas muito bem aceitas em áreas como Rio da Pedras. Sabemos que só faz campanha em área de milícia quem tem acordo com milícia. Os milicianos não foram enfrentados. Não houve plano de enfrentamento às milícias. Pelo contrário. Foram tratados muitas vezes como solução, um mal menor.”“O prefeito do Rio de Janeiro chamou por muito tempo as milícias de auto-defesa comunitária. Isso não é fechar os olhos. Isso é abrir os olhos e buscar um conceito para milícia que seja positivo”, destaca o deputado, que acredita estar diante de um novo posicionamento do governo estadual no enfrentamento das milícias.A mudança de posição, na avaliação de Freixo, ocorreu a partir do seqüestro de integrantes de uma equipe de reportagem do jornal O Dia, em maio deste ano. Eles foram torturados por tentarem fazer uma reportagem na Favela do Batan, em Realengo, zona oeste da cidade.“Hoje existe um enfrentamento do estado a esses grupos. Demorou muito. Essas milícias cresceram muito e chegaram a esse ponto. Somente neste ano é que se tem conseguido articular o trabalho do Parlamento e do Ministério Público com a Polícia Civil. Hoje há um entendimento do Poder Público que não é um mal menor”, disse o deputado, que, na semana passada, ouviu o depoimento do secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, a portas fechadas.De acordo com o deputado, Beltrame admitiu o erro ao ter considerado as milícias “um mal menor”. “Houve um reposicionamento. No depoimento do secretário à CPI, ele diz isso. Diz que não é um mal menor”, relata o parlamentar, que também afirma ter ouvido o mesmo posicionamento do delegado da 35ª Delegacia de Polícia Civil, Marcos Neves. “Em depoimento à CPI o delegado disse: eu errei, eu achei no início que era um mal menor. Não penso mais assim. Eu estava errado.”Marcos Neves é responsável pela delegacia de Campo Grande, área de atuação da maior e mais organizada milícia do Rio de Janeiro, chamada Liga da Justiça. Ele aponta a milícia como autora dos atentados a bomba, contra a sua delegacia no ano passado.Na avaliação de Freixo, por ser movida por agentes públicos, por se utilizar do aparato do Estado e por ter perspectiva política, a ação das milícias representa a maior ameaça à soberania do Estado. “Muito mais do que o desorganizado crime de tráfico de drogas, que é violento, brutal, mas, é evidentemente desorganizado, não tem braço político”, compara.O pedido de criação da CPI das Milícias foi apresentado em fevereiro do ano passado, mas só foi aprovado neste ano, depois do episódio do Batan. “Abre-se mão, dessa forma, do monopólio da força do Poder Público. Tem-se justiça paralela. Tem-se o estado leiloado”, avalia o parlamentar.