Indígenas recebem certidão de patrimônio cultural da cachoeira de Iauaretê

18/10/2006 - 15h32

Thais Brianezi
Repórter da Agência Brasil
Manaus - Líderes indígenas de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, receberam hoje (18) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a certidão de Patrimônio Cultural do Brasil concedida à Cachoeira de Iauaretê, um local sagrado para os povos Tariano e Tukano, que habitam a região. A cachoeira foi o primeiro lugar do Brasil reconhecido como bem cultural imaterial – o registro foi aprovado pelo Conselho Consultivo do Iphan em agosto. Segundo a diretora do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) do Iphan, Márcia Sant’Anna, o processo de registro da Cachoeira de Iauaretê teve início em 2004, a pedido de associações indígenas locais. “Como bem imaterial reconhecido pelo Iphan, a cachoeira terá divulgação ampla do Ministério da Cultura e também contará com um plano de salvaguarda, elaborado junto com as comunidades”, afirmou Márcia Sant'Anna, em entrevista à Radiobrás.Entre as ações já previstas, Márcia Sant'Anna citou a inserção da cachoeira no currículo da escolas indígenas, a realização de uma pesquisa arqueológica no seu entorno e de gestões junto ao Museu do Índio de Manaus para repatriação de ornamentos sagrados roubados por estrangeiros.A Cachoeira de Iauaretê é, na verdade, uma corredeira – um trecho do rio Uapés, na confluência com o rio Papuri, no qual há desnível do solo e muitas rochas. Fica na fronteira do Brasil com a Colômbia: de um lado é o Amazonas; do outro, o país vizinho. “É uma paisagem cultural, com vários locais sagrados. A história do povo Tariano está inscrita nas pedras”, afirmou  gerente de identificação do DPI/Iphan, Ana Gita de Oliveira. “Esses lugares ficam submersos durante o ano quase todo. As pedras só são visíveis em fevereiro, quando o rio está em seu nível mais baixo”. Ela disse que Iauaretê significa “cachoeira das onças”, em nheengatu – a língua geral ensinada pelos jesuítas aos indígenas. Na mitologia do povo Tariano, os homens-onça habitavam o mundo quando surgiu Arcome, o ente criador dos indígenas.  Arcome foi perseguido pelos homens-onça e, na fuga, caiu algumas vezes – as pedras marcam o local das quedas, no qual o criador se transformava em animais e deixava conhecimentos aos Tariano, como as tecnologias tradicionais de pesca.  “Esses mitos são códigos ambientais, sociais e cosmológicos”, resumiu a gerente.O distrito de Iauaretê fica a pelo menos um dia de viagem de voadeira (canoa motorizada) da sede de São Gabriel da Cachoeira. Com cerca de 3 mil moradores, tem aspecto de uma pequena cidade, dispondo de energia elétrica, telefonia, hospital e escolas. Lá funciona, desde os anos 80, um pelotão do Exército, com pista de pouso, construído pelo Projeto Calha Norte - um programa de defesa e colonização da fronteira norte-amazônica. Pela definição da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), patrimônio cultural imaterial são as práticas, representações, conhecimentos, objetos e lugares associados aos saberes de grupos e comunidades, transmitidos por gerações e constantemente recriados. A cachoeira de Iauaretê é o oitavo bem cultural imaterial registrado no Brasil – os outros sete são a arte Kusiwa dos índios Wajãpi; o ofício das paneleiras de Goiabeiras; o samba de roda no Recôncavo Baiano; o Círio de Nossa Senhora de Nazaré; o ofício das baianas de acarajé; a viola-de-cocho; e o jongo.