Câmara hiperbárica de mergulho
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Brasília, 20/12/2002 (Agência Brasil - ABr) - Dos países que exploram petróleo em águas profundas o Brasil é o único que registra o trabalho de profissionais a mais de 200 metros. A atividade envolve alto risco, consequência das adversidades do ambiente marítimo nas profundidades exploradas e em função da pressão a que são submetidos. Para avaliar as condições de trabalho dos mergulhadores que atuam na maior reserva petrolífera nacional, a Bacia de Campos, no litoral do Rio de Janeiro, o engenheiro civil Marcelo Figueiredo fez uma completa investigação sobre o dia-a-dia desses trabalhadores e sobre as estatísticas de acidentes e mortes no setor.
Figueiredo estudou o assunto, de 1997 a 2000, para defender sua tese de doutorado em engenharia de produção, área que atua até hoje. Ele é coordenador do mestrado da área na Universidade Federal Fluminense (UFF). Os dados mostram que o número de mortes, nas últimas décadas, vem diminuindo. Foram registradas cinco óbitos na segunda metade dos anos 70, oito nos anos 80 e uma morte nos anos 90. No entanto, ele alerta para o fato de que, hoje, há poucos mergulhares em atividade, em função dos riscos da profissão. "Os dados coletados não consideram os acidentes leves ou sem vítimas fatais", esclarece o professor.
Considerada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como a profissão mais perigosa do mundo, o mergulho em águas profundas, no Brasil, tem se destacado pela diminuição de acidentes fatais. Isso ocorre graças à intensificação da prospecção em águas ainda mais profundas, aonde só chegam robôs operados por controle remoto. O problema fica por conta da exploração até os 320 metros, cujos serviços são realizados quase exclusivamente com intervenção humana, até porque os sistemas projetados para essas distâncias são mais antigos. Com a tendência pela exploração em regiões cada vez mais profundas, não se investe na adaptação dos sistemas antigos. A justificativa é a falta de viabilidade econômica.
Figueiredo conta também que um dos últimos acidentes ocorridos na Bacia de Campos foi no final de 93, quando um mergulhador ficou preso pela perna entre o sino, a cápsula esférica que conduz o mergulhador ao mar, e outra superfície. Ele teve o membro esmagado e agonizou por sete dias na câmara hiperbárica para poder voltar a superfície. A câmara, onde ficam confinados, são caixas metálicas (em média são 27 m³) com beliches e banheiros, onde a pessoa permanece alguns dias respirando uma mistura de gás hélio e oxigênio e se adaptando à mudança de pressão. O mergulhador fica 28 dias sem ver a luz do Sol num espaço inferior ao de uma quitinete.
Os dados justificam a tese de que o mergulho profundo gera poucos acidentes. Mas as ocorrências são complicadas. O exemplo de 93 é sempre citado, entre os petroleiros, por ter sido o mais grave. Nesses casos, a vítima não pode sair da câmara porque não se completou o prazo para despressurização. Não há como socorrê-la e o acidentado recebe apenas medicamentos, enviados por um túnel. O mais usual é a aplicação de morfina, para conter a dor. A droga é ministrada pelos próprios mergulhadores .
O mergulho profundo, que compreende distâncias entre 50 metros e 320 metros da superfície, é sempre feito por dois mergulhadores que descem para realizar serviços de manutenção e conexão de dutos, instalação de equipamentos, soldagens, coleta de material de filmagens. São vários dias isolados de tudo. A partir do momento em que entram na câmara hiperbárica, instalada no navio, os mergulhadores são submetidos a uma pressão atmosférica equivalente à do mar. A pressurização leva 24 horas. Da câmara, eles vão para o sino, que irá conduzi-los ao fundo mar.
Durante a intervenção, um mergulhador fica no sino e o outro no mar. Ambos estão ligados por um "cordão umbilical" para que o mergulhador que estiver no mar receba água quente, gás hélio, oxigênio etc. Os mergulhadores só podem permanecer por oito horas fora do sino. O percurso câmara-sino-mar dura 20 dias. Na volta, a pessoa fica mais sete dias na câmara, para a despressurização, ou seja, para que volte à pressão atmosférica normal da superfície. Ao longo desses dias, o mergulhador se alimenta, dorme e toma banho normalmente, no espaço restrito da câmara hiperbárica.
Não são apenas os acidentes durante as intervenções que afligem os mergulhadores. A maioria apresenta sintomas de algumas doenças e traumas que aparecem em função da pressão marítima. Os sintomas aparecem ao longo do tempo. Os traumas por pressurização, conhecidos como barotraumas, são causados por obstruções à livre movimentação do ar nos espaços aéreos do organismo, particularmente nas cavidades aéreas cranianas e são a causa mais freqüente de acidentes. Além disso, como o barotrauma o leva a desistir do trabalho, devido a perturbações, o mergulhador quase sempre perde o emprego por ser considerado desqualificado para o serviço. Outras doenças que acometem esses profissionais são: embolia traumática pelo ar (Eta); efeito narcótico do nitrogênio; hipotermia (queda de temperatura); intoxicação por gases; apagamento, essa provavelmente a causa mais freqüente de morte em mergulhadores; além das conseqüências à saúde mental.
O mercado de trabalho para mergulhadores profissionais é restrito. A oferta de trabalho vem diminuindo ao longo dos anos. Hoje, há cerca de 600 mergulhadores civis qualificados, sobretudo para trabalhar em águas profundas, dos quais quase 80% têm mais de 37 anos. Como se aposentam cedo, após 25 anos de atividade, há uma expectativa de carência desses profissionais no mercado. Os grandes contratantes são empresas que fazem prospecção de petróleo e gás em plataformas submarinas. Para o exercício da profissão, é exigido o registro de mergulhador profissional na Diretoria de Portos e Costas da Marinha. Além disso, os candidatos precisam passar por cursos teóricos, oferecidos pelo Serviço Nacional de Apoio a Indústria (Senai) e pela Marinha, para ter a prática desejada pelas grandes empresas.
Segundo Figueiredo, a média atual de rendimentos de um mergulhador fica em torno de R$ 3.500 mensais, o que é considerado muito pouco diante do risco e das condições desfavoráveis do trabalho. Um ciclo de trabalho realizado a 300 metros pode render até R$ 10 mil a um mergulhador altamente qualificado. Nos meses seguintes, ele não pode voltar a mergulhar, permanecendo em terra ou em atividades de apoio e, por isso, recebe muito menos, já que não tem direito aos adicionais do desgaste orgânico. Cada mergulhador pode fazer no máximo quatro saturações, ou seja, pressurizações externas, por ano.
Por ser uma profissão de alto risco, o Ministério do Trabalho e Emprego criou, em 13 de julho de 1999, a Unidade Especial de Inspeção do Trabalho Portuário e Aquaviário e as respectivas Unidades Regionais nos portos mais importantes do país, consolidando a inspeção do trabalho portuário e incorporando a inspeção do trabalho aquaviário (marítimos, fluviários, pescadores, mergulhadores e trabalhadores em plataformas marítimas).
O trabalhador aquaviário passa, ao longo de sua vida profissional, por situações adversas.O ambiente de trabalho, atípico, tem características que se misturam ao de sua própria residência. Como fica confinado por quase um mês, o mergulhador é privado do convívio familiar por longos períodos. O trabalho, às vezes, é realizado em diferentes portos brasileiros e até estrangeiros, por isso ele fica sujeito à constante variação climática e cultural, além de ser permanentemente submetido a balanços e trepidações. Além disso, a necessidade de prontidão para o trabalho exige que, mesmo nos momentos de descanso, a pessoa se mantenha alerta para agir em emergências ou imprevistos no navio.