Coluna da Ouvidoria - O mal da vaca louca: variante e versões

01/01/2013 - 13h15

Brasília - No dia 21 deste mês, a ouvidoria recebeu uma mensagem do leitor Rodrigo da Silva Ferrari, de Catanduva, São Paulo, reclamando da forma como a Agência Brasil e o restante da imprensa brasileira têm se portado em relação à cobertura do caso da possível de incidência do mal da vaca louca em um animal que morreu no Paraná em dezembro de 2010. Segundo ele, “todos os jornais, sem exceção, adotaram uma postura muito 'oficialista' na abordagem do episódio. Em linhas gerais, a imprensa comprou a versão do governo e dos pecuaristas - ou seja, de que se tratou de um caso atípico da doença, sem grande relevância para os cidadãos comuns”.

O leitor observa ainda: “Pela leitura dos jornais brasileiros, sabemos apenas que: 1) Há cerca de dois anos, um animal no Paraná apresentou o agente causador da doença. Porém, foi sacrificado antes mesmo de manifestar os sinais da moléstia; e 2) O caso permaneceu escondido desde 2010 e só foi revelado agora, quando as autoridades sanitárias e de agricultura atestam que não há qualquer risco para consumidores e para o setor produtivo. No entanto, diversos países 'estranhamente' passaram a declarar embargo à carne brasileira”.

Em defesa do direito do cidadão à informação, ele pergunta: “O que foi feito dos outros animais que conviveram com aquele que apresentou o agente causador da doença? Foram sacrificados? Foram comercializados? Estão vivos?” E acusa a imprensa por não perguntar “por que os ministérios da Saúde e da Agricultura demoraram tanto tempo a se manifestar sobre a existência de um foco da doença no país” e “se existem no Brasil fiscalização e legislação capazes de evitar que essa situação se repita”.

Enfatizando o contraste de perspectivas, ele diz: “Estamos falando de uma doença incurável, transmitida por um alimento que faz parte da dieta básica de quase todos os brasileiros. Está no churrasco de domingo, na comida de hospital, na merenda escolar e no almoço de todos os dias”. Enquanto isso, continua o leitor, “a maioria dos veículos analisou o problema apenas pela ótica econômica, ressaltando os embargos internacionais à carne brasileira e os prejuízos que vão recair sobre o setor pecuarista nacional. Infelizmente, acabaram por deixar de lado os interesses das pessoas comuns, que passaram dois anos sendo enganadas pelas autoridades... Estranhamente, a Agência Brasil e os demais jornais encaram como natural essa omissão do governo e do setor pecuarista”.

No dia 27, a Diretoria de Jornalismo da EBC respondeu: “A Agência Brasil agradece a participação do leitor e reitera que levará em consideração suas observações em pauta futura. É fato que ainda faltam respostas do porquê os embargos vieram agora diante da ocorrência de um caso único de uma variante da doença há dois anos, segundo as informações oficiais. Buscaremos abordar todos os lados envolvidos na questão”.

Toda discussão veio à tona quando o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) anunciou, no último dia 7 de dezembro, os resultados positivos dos exames realizados por laboratório na Inglaterra. Desde então seis países suspenderam total ou parcialmente as importações de carne bovina brasileira. A demora de dois anos na divulgação do resultado por parte do governo brasileiro tem sido questionada no exterior por autoridades governamentais, pecuaristas e entidades de consumidores. Exames acabaram concluindo que a vaca era portadora de uma variante do mal da "vaca louca”, embora o animal estivesse sem sintomas da doença e sua morte fosse quase certamente provocada por outras causas.

Desde a divulgação dos resultados dos exames da vaca infectada, a Agência Brasil publicou oito matérias sobre o caso. Um total de 13 fontes foi citado. Das 13 citações, dez são do Mapa (três do secretário de Defesa Agropecuária, duas do diretor do Departamento de Saúde Animal; uma do grupo técnico que acompanhou o secretário em uma missão à Europa para prestar informações sobre o caso; e quatro, informações, notas e dados fornecidos pelo ministério), enquanto três são de representantes dos produtores (uma nota da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) e o presidente da Federação dos Fazendeiros e Agricultores da Venezuela (Fegaven)). Nenhum especialista, nenhum representante das entidades de defesa do consumidor, nenhum representante dos fiscais agropecuários federais foi consultado. Como o leitor alegou, as versões do governo e dos pecuaristas foram às únicas que a Agência Brasil escutou.

No que diz respeito à divulgação do caso, a linha do tempo, baseada nas informações disponíveis nas matérias publicadas pela Agência Brasil, é confusa. Duas matérias dizem que a identificação do vírus da vaca louca ocorreu há dois anos. Outra, pelo contrário, constata que a presença do vírus foi descoberta dois anos depois da morte. Uma quarta faz referência à obtenção de resultados divergentes (positivo e negativo) relativos à presença do vírus, o que levou o Brasil a encaminhar os tecidos da vaca morta para análise do laboratório considerado o mais bem equipado para a identificação da doença, na Inglaterra. Foi o resultado positivo dos exames realizados neste laboratório que foi divulgado no dia 7 deste mês. Quem soube o que e quando, fora das autoridades do governo e os técnicos envolvidos nos exames, não é esclarecido.

Para o cidadão brasileiro, a cobertura da Agência Brasil deveria responder a várias perguntas. Há riscos à saúde dos consumidores de carne bovina no Brasil? A polêmica é apenas uma briga entre rivais comerciais? Há informações que o público brasileiro desconhece que estão disponíveis nos países que decidiram pelo embargo? Para ter uma ideia melhor do que realmente aconteceu, o cidadão terá que consultar outras fontes, que não estão na cobertura da mídia.

Boa leitura!