Coluna da Ouvidoria – O jornalismo e o excesso de fontes oficiais

02/07/2012 - 20h38

Brasília – Um dos momentos mais polêmicos da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, que terminou no dia 22 de junho, na cidade do Rio de Janeiro, foi o processo de negociação para fechar o documento oficial do evento, cujo compromisso principal era a definição de uma agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas. Dentre os pontos de divergência estavam a interpretação dada ao conceito de economia verde, a governança global e o financiamento às ações, as metas do desenvolvimento sustentável e a erradicação dos textos que asseguravam os direitos humanos (1).

Se o documento atende, ou não, às demandas básicas envolvendo questões sociais e ambientais, como foi amplamente criticado pela maioria dos representantes das entidades não governamentais, não é o objetivo da discussão nesta coluna. Mas mostrar qual o tratamento dispensado pela ABr a processo de negociação, além de ser do nosso interesse, faz parte de uma das competências desta ouvidoria. Nosso propósito, portanto, é identificar quais as fontes que foram convocadas para opinar sobre o assunto e como elas estão representadas nas notícias veiculadas pela ABr.

Nos dez dias de cobertura do evento, a ABr publicou 111 matérias sobre o processo de negociações para fechar o documento final. Desse universo, foram selecionadas 43 notícias, sendo 32 sobre o tema economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e 11 sobre o combate à pobreza, que foram os temas centrais e mais polêmicos da conferência.

Analisando as 43 matérias, uma coisa de imediato nos chamou a atenção: a predominância de fontes oficiais, se comparada à recorrência às fontes não governamentais no noticiário da ABr. Das 43 matérias, 37 tinham como fontes os interlocutores de órgãos governamentais, representando 86% do que foi publicado. Já as 6 notícias em que as informações foram pautadas a partir de fontes não governamentais, representam 14% da cobertura sobre o assunto. Entre as fontes oficiais mais requisitadas estão o secretário-geral das Nações Unidas para a Rio+20, o embaixador Chinês Sha Zukang; o secretário executivo da delegação brasileira na conferência, embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado; o negociador-chefe do Brasil para a Rio+20, André Correa do Lago; o comissário de Meio Ambiente da União Europeia, Janez Potocnik; o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota; e o diretor do Departamento de Desenvolvimento Sustentável, Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, Nikhil Seth.  Enquanto as fontes oficiais aparecem claramente nas notícias, as fontes não governamentais são descritas genericamente e identificadas como grupos: os indígenas, ONGs, grupos de facilitadores, magistrados, estrangeiros e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Afora o aspecto quantitativo, outra questão observada foi a ausência de contraponto, tanto nas notícias que focalizam as fontes oficiais quanto nas que tinham como referência as fontes não governamentais. Se o contraponto fosse priorizado, teria levado em conta a opinião de Iara Pietricovsky, membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) do Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20, que acompanha de perto, há mais de um ano, todo o processo da ONU na formulação de propostas e documentos para a conferência. Para Iara, o documento, desde sua primeira versão, é superficial e controverso. Segundo ela, o documento final tirou tudo que provocava conflito e transformou-se em resoluções bem genéricas.

Do ponto de vista do conteúdo, as matérias que veicularam a posição dos movimentos sociais, os argumentos dos críticos sobre, por exemplo, economia verde, não levam o leitor a perceber o ponto principal das divergências. Este assunto, inclusive, foi tratado na Coluna da Ouvidoria "Para sair do papel", publicada no dia 11 e junho, a partir da provocação feita por um leitor a propósito de uma notícia publicada pela ABr.

Um cenário bem diferente do que foi observado na cobertura da ABr pode ser encontrado no site especial criado pela EBC para acompanhar a Rio+20 (4). Nele, podemos encontrar um número significativo de conteúdos em que os movimentos sociais são, além de fontes, atores ativos no processo de informação. O hotsite abriu espaço para conteúdos colaborativos (vídeo, matérias jornalísticas e programas de rádio) produzidos por diferentes instituições, como Super Inútil, Por Bem TV, Via Campesina, Agência Cúpula dos Povos, Agência Jovem de Notícias e outras. A iniciativa possibilita ao cidadão um conjunto de informações diversificadas sobre os contrapontos ao compromisso oficial dos países para a sustentabilidade global.

A cobertura feita pela ABr foi omissa frente ao posicionamento dos movimentos sociais em relação ao documento oficial da conferência. Em parte porque os comentários das fontes não oficiais, pelo menos na forma em que foram relatados, ficaram limitados às generalidades. Ao omitir opiniões importantes, a ABr impossibilitou o leitor de analisar o cerne da polêmica. O que significa uma perda para o leitor, porque a disponibilização dessas opiniões proporcionaria subsídios para que ele compreendesse o fio condutor da discussão.

A predominância de fontes governamentais e a pouca inserção de fontes não oficiais revelam a desproporcionalidade com que o tema foi tratado. Esta desproporcionalidade na cobertura pode tanto revelar que a ABr concentrou seus profissionais no local em que ocorriam os eventos oficiais, quanto à tendência em privilegiar as vozes oficiais em detrimento das vozes sociais, que estavam, em sua maioria, concentradas na Cúpula dos Povos, evento paralelo na programação da Rio+20.

Para corrigir essa desproporcionalidade, uma alternativa seria também priorizar profissionais nos eventos paralelos, como forma de garantir uma cobertura mais representativa do que foi a conferência na sua integralidade. Independentemente dos números, a desproporcionalidade na visibilidade das vozes não coaduna com a missão de uma agência pública de notícias. Ademais, a cobertura desta forma não tem a capacidade de contribuir, nem fortalece os valores da cidadania, que são os objetivos primordiais da mídia pública. Para ser coerente com essa finalidade, a cobertura da ABr deveria ter enfocado, se não prioritariamente, pelo menos proporcionalmente, comentários dos participantes que questionavam o rumo das negociações. Outra alternativa seria a integração da equipe de produção dos diferentes veículos que integram a EBC, pois a produção conjunta, compartilhando agenda, telefone e contatos, otimiza o trabalho e garante mais eficácia na produção de conteúdos.

Até a próxima semana!