Leandra Felipe
Correspondente da Agência Brasil/EBC
Bogotá - A população colombiana mostrou rejeição à notícia de que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) poderiam, no futuro, formar um partido político caso abandonem as armas.
Após o anúncio, nessa quarta-feira (6), de que os negociadores da guerrilha e do governo conseguiram chegar a um acordo parcial sobre a participação política do grupo, as manifestações nas redes sociais e conversas nas ruas da capital colombiana mostraram tendência contrária à participação política das Farc.
Embora o governo e a guerrilha tenham somente sinalizado com essa possibilidade, uma vez que o tema deverá ser discutido a fundo nas próximas rodadas de negociação, internautas opinaram, no Twitter, de maneira negativa sobre o acordo parcialmente fechado.
“Terrorista agora vai poder ser presidente”, postou um usuário da rede. O tema foi um dos mais comentados no microblog. Em Bogotá, a maioria das pessoas ouvidas pela Agência Brasil também se mostrou descontente com o acordo.
O vendedor de flores José Jaime disse que não concorda com a possibilidade de que as Farc tenham representantes políticos. “Depois de tudo o que fizeram, agora eles vão poder participar das decisões do país? Isso é um absurdo"!.
Segundo a professora María Amparo, apesar de desejar a paz e de acreditar que o caminho seria a conciliação política, a população não gostaria que isso acontecesse porque deixou de acreditar nas Farc. “Muitos de nós eram favoráveis à causa defendida pela guerrilha, mas com tantos anos com essa guerra acabamos perdendo a fé no que eles defendiam”, explicou.
A classe política do país também se manifestou. No Congresso, o senador Iván Cepeda, um dos apoiadores da negociação, disse que o acordo é “um passo fundamental para a paz e um duro golpe aos inimigos do fim do conflito”.
Cepeda é filho de Manuel Cepeda Vargas, jornalista e político colombiano que fez parte da União Patriótica, partido de esquerda fundado em 1985 por ex-guerrilheiros de movimentos insurgentes. Cepeda Vargas foi assassinado em agosto de 1994. A morte dele e a de mais 129 líderes no país são atribuídas à ação de grupos paramilitares colombianos de extrema direita.
Entre os políticos que criticam o processo, um dos mais eloquentes é o ex-presidente Álvaro Uribe. No Twitter e em entrevistas concedidas a emissoras de rádio colombianas, ele disse que “a Colômbia é a única democracia que aceita negociar com o terrorismo”.
O presidente Juan Manuel Santos e o negociador-chefe das Farc em Havana, Iván Márquez, também deram declarações em defesa do acordo de participação política.
Após falar da necessidade de promover a “abertura democrática no país” depois de encerrado o ciclo de negociação em Havana (Cuba), Márquez usou o Twitter e escreveu vários posts sobre o tema. Para ele, a primeira mudança deverá ocorrer na mentalidade das pessoas.
“O primeiro item que temos que resolver em nossa pátria é que se respeite o direito à vida, à diferença, à opção política e à não estigmatização”, postou no Twitter.
Márquez demonstrou preocupação com as garantias de segurança que as Farc terão após deixar as armas, para exercer o papel de oposição, evitando que casos como os da União Patriótica voltem a ocorrer. “Que se possa debater as ideias sem o temor de ser assassinado, desaparecido ou criminalizado”, destacou.
Em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão na noite dessa quinta-feira, o presidente colombiano disse entender a impaciência e o ceticismo de algumas pessoas. “Sou o primeiro impaciente, mas temos que entender que a paz não se faz com inimigos”, defendeu.
Em tom ponderado, ele informou que as operações militares continuam e que o futuro político da guerrilha e todos os compromissos firmados no segundo ponto de negociação só serão definidos após o término do conflito. “Tudo se aplicará somente se alcançarmos um acordo que inclua o abandono das armas, a desmobilização e a reincorporação das Farc à vida civil”, explicou o presidente.
Para especialistas consultados pela Agência Brasil, o governo e as Farc terão muito trabalho para “convencer a sociedade” das mudanças que estão sendo propostas em Havana.
A analista política Beatriz Miranda, da Universidade Externado de Colômbia, acredita que a população tem dificuldade de aceitar e “enxergar” as Farc como um partido político, por causa da imagem negativa da guerrilha. Na sua opinião, essa imagem foi construída não só pelas ações do próprio grupo, mas também pela cobertura do tema pela mídia.
“Por um lado, as Farc vincularam-se ao narcotráfico e praticaram crimes contra a população civil, como o recrutamento de crianças e sequestros. De certo modo, isso traiu a confiança das pessoas nas causas defendidas inicialmente pelo grupo. Além disso, a mídia comercial e a campanha militar dos governos nos últimos anos reforçaram a imagem negativa”, avaliou.
Brasileira radicada na Colômbia, ela acredita que as Farc e o governo devem realizar uma ampla campanha para conscientizar a população. “Até então, o processo em si e os ganhos que virão com a pluralidade política são conhecidos somente por um grupo restrito de acadêmicos e políticos. É importante que, juntamente com a negociação de paz, a sociedade receba informação adequada”, acrescentou.
Edição: Graça Adjuto
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