Brasília - Os protestos que começaram em São Paulo no mês de junho e logo se alastraram pelo Brasil pegaram todos de surpresa, especialmente a mídia tradicional. Fato que ajuda a explicar a ênfase dada à espontaneidade das manifestações. A utilização das redes sociais reforçou ainda mais este enfoque – a comunicação pelas redes sociais é concebida como efêmera e volúvel, sem embasamento em propósitos sedimentados.
Ao analisar a cobertura dos protestos feita pela Agência Brasil, a ouvidoria constatou uma postura mais aberta às possibilidades de outros significados em relação à utilização das redes e à espontaneidade dos protestos. Durante o período mais intenso dos protestos de rua, que começaram em São Paulo na primeira semana de junho e terminaram no Rio de Janeiro no dia 30 de junho, data da disputa da final da Copa das Confederações no Estádio do Maracanã, houve referências às redes sociais em 10% das reportagens publicadas pela Agência Brasil sobre as manifestações (45 referências em 441 textos). A frequência foi praticamente a mesma nas matérias em que o passe livre ou o Movimento Passe Livre (MPL) foi citado: 11% (12 referências em 108 textos e oito referências em 75 textos, respectivamente).
Com base nesses percentuais, seria possível deduzir que a presença das redes sociais nos protestos recentes foi pouco expressiva, ao contrário do que aconteceu nas marchas contra a Corrupção em Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo em 2011 e 2012. Dois terços das 15 matérias publicadas pela ABr sobre o assunto incluíram tais referencias. Convém lembrar, porém, que a mobilização da população por meio das redes sociais para participar nas marchas foi uma novidade que chamou a atenção da imprensa na época, além da simples quantidade de matérias serem muito menor.
Para além da dimensão quantitativa, a cobertura dos protestos de junho registrou mudanças que acompanharam o próprio desenvolvimento da inserção das redes sociais na organização das manifestações, além de refletir as diferenças na natureza de alguns dos movimentos que as organizaram. Na cobertura das marchas contra a Corrupção, constava que as redes sociais cumpriam os objetivos de: 1) lançar a ideia; 2) convocar a manifestação; 3) registrar as confirmações de participação; e 4) explicar a orientação política a ser seguida, indicando as reivindicações, bandeiras, camisetas e outros apetrechos adequados.
Na cobertura dos protestos de junho, observa-se que as redes sociais acumularam novas funções e que as informações disponíveis nelas foram utilizadas por outros atores além dos organizadores e seus seguidores. Das novas funções, destacam-se duas. A primeira é a utilização dos dados pelas autoridades policiais, que passaram a ter uma nova fonte para calcular o tamanho do contingente policial a designar para garantir a segurança dos eventos. Além de dar uma prévia do tamanho da multidão, “a inteligência da polícia já está trabalhando identificando nas redes sociais pessoas que possam causar algum tipo de vandalismo nos protestos”, segundo o chefe do Estado-Maior da Polícia Militar do Distrito Federal, que foi entrevistado no Programa 3 a 1 da TV Brasil. De acordo com o coronel, “o número de policiais é calculado de acordo com o grau de risco de ocorrência de atos violentos nas passeatas” [1].
A segunda função é a utilização das redes para a divulgação de decisões coletivas em nome das organizações. Essa forma de anonimato, que caracterizou a participação do MPL no Facebook, por exemplo, durante os protestos de junho, vão além da explicação da orientação política e da indicação das reivindicações, bandeiras, camisetas, etc., feitas informalmente na preparação das marchas contra a Corrupção por pessoas que se identificaram individualmente nas redes sociais, em que os seguidores os conheciam como os organizadores das manifestações.
Na cobertura, a ABr repercutiu o assunto com vários especialistas. Nesse ponto, porém, ao invés de oferecerem uma gama de interpretações, as observações dos especialistas consultados basicamente aderiram à linha apresentada pela mídia convencional. Eis um exemplo: “Aluno de direito da FGV no Rio de Janeiro, Ronaldo Lemos, atua como analista de mídia e destacou que as demandas que estão nas ruas, nos protestos, estavam nas redes sociais antes, mas a internet vinha sendo pensada como algo à parte da sociedade brasileira e não era necessário prestar atenção. Lemos destacou que até o momento as autoridades não discutiam o que aparecia nas redes sociais, ao contrário do que acontecia com os jornais, que pautavam a agenda de discussão do dia. ‘Entretanto por trás de algumas das ideias colocadas na internet havia pessoas que não estavam contentes expressando sua opinião. Aí elas expressaram cada vez mais, foram ignoradas cada vez mais e resolveram partir para as ruas. É fascinante que o transporte público tenha sido o estopim porque isso é a síntese dos problemas que o país vive hoje’. O aluno falou que tudo o que acontece na rede e nas mídias sociais tem um círculo de atenção muito rápido. ‘Por isso a janela de oportunidades que temos para fazer alguma coisa no Brasil é brevíssima, que pode durar duas semanas, com todas as manifestações sendo apenas uma grande memória em vídeos nas redes sociais que ninguém mais acessa porque tem coisas mais interessantes para ver’, destacou. Segundo ele, é preciso entender que o movimento e as manifestações não são autossustentáveis, nem na sociedade, nem na mídia” [2].
Diante disso, pergunta-se: a história do MPL não merecia mais atenção na cobertura feita pela Agência Brasil? Uma matéria publicada no Portal da EBC representa apenas um começo [3]. Para os movimentos como o MPL, a utilização das redes sociais, mais que um indicador da motivação espontânea das pessoas que participaram nas manifestações, mostra que as redes também podem funcionar em um sentido mais tradicional como uma ferramenta para organizar, articular e agregar as demandas da sociedade.
Enfim, os rumos futuros ainda estão por serem definidos, mas já há sinais do que se pode esperar nas redes e, mais importante, na interação entre as esferas virtual e real, como aponta o seguinte texto: “A luta se dá na esfera virtual [e na disputa pela sua base física] com cada vez maior centralidade, mas não apenas nela. É necessário aproveitar o momento de ascenso de massas, a valorização da participação na rua, para que o encontro no espaço público não seja apenas entre individualidades estanques, mas produtor de novas subjetividades coletivas, formadas pela cultura de colaboração, tomada de decisões pautada pela convivência, diálogo e conflito democrático no espaço público... Construir autonomia política da sociedade não passa simplesmente por cada um/a ir à rua manifestar sua indignação individual, mas por interagir com os/as demais para formular e implementar projetos políticos comuns”. “É necessário retomar a velha e indispensável tarefa cotidiana do ‘trabalho de base’. No tripé clássico do trabalho revolucionário, formação e organização são tão importantes quanto mobilização. O trabalho de base, porém, precisa ser criativo. É preciso buscar novas referências, métodos, e cultivar um espírito e práticas de abertura para colaborar com a construção de novos sujeitos – que, para serem efetivamente novos e terem capacidade de empreenderem suas próprias lutas, não poderão corresponder às imagens petrificadas trazidas de um passado distante. Para uma nova configuração social e de comunicação, uma nova forma de fazer política e disputar a sociedade”[4].
Boa leitura!
[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-06-19/programa-da-tv-brasil-analisa-manifestacoes-que-atingem-varias-cidades-do-pais
[2] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-06-24/manifestacoes-partem-de-tres-pontos-de-descontentamento-e-desconforto-diz-professor-da-fgv
[3] http://www.ebc.com.br/cidadania/2013/06/conheca-as-origens-do-movimento-passe-livre
[4] “A política do Facebook e as tarefas da esquerda: a revolução se faz no presente”: http://brasiledesenvolvimento.wordpress.com/author/telesforo88/