Da Agência Lusa
Roma – O ex-primeiro-ministro italiano Giulio Andreotti, que morreu hoje (6) aos 94 anos, era o último sobrevivente da Democracia Cristã que governou a Itália do pós-guerra e devolveu ao país o seu estatuto europeu, garantido por delicados compromissos políticos. “Com ele desaparece um ator do primeiro plano da vida pública nacional durante mais de 60 anos”, disse Enrico Letta, chefe do atual governo de coligação.
O presidente Giorgio Napolitano saudou o homem de Estado “que desempenhou um papel de grande importância para as instituições e representou a Itália, com uma excecional continuidade, nas relações internacionais e na construção europeia”.
O romano Andreotti, que frequentava diariamente a missa e conhecia numerosos prelados no Vaticano, era uma figura incontornável, brilhante e controversa, associada a um aspeto físico peculiar que rendeu os apelidos de “Maquiavel” ou “velha raposa”.
Eleito deputado em 1945, senador vitalício desde 1991, ainda recentemente participou nos trabalhos da Câmara Alta. O “andreotismo” passou a designar uma forma de fazer política. Sete vezes primeiro-ministro, Andreotti, da ala direita da Democracia Cristã (DC) foi designado oito vezes para a pasta da Defesa, cinco para os Negócios Estrangeiros, e passou duas vezes pelas Finanças, Orçamento, Indústria, e uma no Tesouro, Interior, Bens Culturais e Políticas Comunitárias.
Chamado ao governo pela primeira vez em 1972, Andreotti guardou até ao fim da vida muitos dos segredos da Itália da Guerra Fria e dos “anos de chumbo”, em particular as suas relações com o Vaticano. Os seus arquivos, apenas acessíveis a investigadores com autorização, são muito aguardados, mas também temidos. “Ele conhecia toda a engrenagem do poder (…) e não hesitou em utilizar todos os meios”, disse Marco Tarchi, professor de ciências políticas na Universidade de Florença.
A opinião pública censurou-lhe a intransigência no caso do sequestro em 1978 do líder da DC, Aldo Moro, encontrado assassinado. Na ocasião chefe do governo, Andreotti recusou qualquer negociação com as Brigadas Vermelhas.
As suas supostas relações próximas com a Máfia é outro assunto polêmico, mas Andreotti sempre se declarou inocente e guardou uma profunda mágoa pelas acusações. No chamado “processo do século” em Palermo, Andreotti foi acusado de ter se beneficiado do apoio da Máfia para favorecer a Democracia Cristã na Sicília e de ligações com a Cosa Nostra.
O famoso "beijo" que teria trocado em uma casa em Palermo com o padrinho Salvatore “Totò” Riina, na prisão desde 1993, nunca foi provado. Em 2003, um tribunal da capital siciliana absolveu-o de todas as acusações após a prescrição do caso.
Na política internacional, empenhou-se em uma diplomacia focada no diálogo Leste-Oeste e na abertura do ocidente ao mundo árabe, nem sempre do agrado de Washington. Por indicação dos parentes, Andreotti terá um funeral privado.