Coluna da Ouvidoria - Por que protestam?

06/05/2013 - 15h18

Brasília - A Revolução Mexicana (1910 a 1917) foi um dos eventos que mais marcaram a história da América Latina no século 20. Na longevidade das constituições que continuam em vigor na América Latina, a Constituição mexicana de 1917 só perde para a da Argentina (1853). Na esfera da educação, a Constituição mexicana já tinha estabelecido o ensino primário público obrigatório e gratuito e a proibição das escolas primárias sob o controle das entidades religiosas, e posteriormente campanhas inspiradas nas ideias do filósofo e educador José Vasconcelos, secretário de Educação Pública nos anos 20, foram lançadas em prol da alfabetização, do ensino rural e da integração das populações indígenas.

Para o povo mexicano, o legado da revolução, além de ser a origem da Constituição do país, é um componente vivo da sua cultura. Portanto, quando surgem notícias sobre propostas de mudanças no sistema educacional mexicano e movimentos de protesto contra essas mudanças, esse legado faz parte do quadro de referências indicadas para a contextualização dessas notícias. Para o leitor brasileiro, o que está acontecendo no México nesse setor merece uma atenção especial, já que, além de compor um panorama onde há grandes carências por toda a América Latina, o México é o segundo país mais populoso da América Latina e, junto com o Brasil, figura entre os países com níveis de desenvolvimento educacional inferiores aos dos países mais avançados da região [1].

No dia 25 de abril, a Agência Brasil publicou uma matéria com o título Professores e estudantes mexicanos protestam contra reforma da educação no país [2]. A matéria relata que os manifestantes praticaram vários atos de protesto: incêndios nas sedes de três partidos políticos e de um órgão governamental de ensino do estado de Guerrero, a ocupação da reitoria da Universidade Autônoma do México (Unam) na capital e bloqueios de estradas em outras regiões do país.
   
De acordo com a matéria, os professores e estudantes protestaram “contra a reforma do sistema educativo no México”, “contra a mudança na lei que altera acordos e programas estudantis”, contra a aprovação pelo Congresso da Lei de Educação Pública que “não incluiu as propostas dos professores” e contra a proposta do presidente Enrique Peña Neto “com várias mudanças constitucionais na estrutura da educação básica do país”.

Para um leitor que preferiu ficar anônimo, a matéria deixou de explicar os motivos dos protestos. Na resposta à sua reclamação, a Diretoria de Jornalismo disse: “Quanto ao motivo do manifesto, a matéria deixa claro que professores e estudantes protestam contra proposta do Executivo enviada ao Congresso mexicano, com várias mudanças constitucionais na estrutura da educação básica do país". A resposta pelo menos frisa que se trata principalmente de mudanças na estrutura da educação básica.

Pesquisando o assunto, a ouvidoria encontrou, no site da Telesur, várias notícias que documentam que os protestos começaram em 2012 contra uma reforma aprovada pelo Congresso em dezembro para implantar um sistema de avaliação dos professores e se intensificaram a partir de fevereiro, quando, como a matéria da Agência Brasil assinala, uma proposta foi enviada pelo presidente ao Congresso com alterações em artigos da Constituição referentes à estrutura da educação básica [3].

Segundo os professores, as alterações constitucionais aprovadas pelo Congresso no dia 23 de abril visam a promover a privatização do ensino, em vez de garantir o ensino público, laico e gratuito no país. Eles denunciam o presidente por tentar aplicar padrões empresariais na avaliação do magistério, eliminar as escolas normais e ignorar as práticas e os costumes de 10 mil professores indígenas.

Ainda de acordo com os integrantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), as reformas no Artigo 3° da Constituição e do Serviço Profissional do Magistério agridem os direitos trabalhistas dos professores, substituindo os contratos coletivos por contratos individuais e condicionando o ingresso e a permanência na carreira e o nível salarial aos resultados das avaliações. A intenção do movimento é forçar as autoridades a retirar as reformas e realizar uma consulta nacional para elaborar uma nova iniciativa.

Para o leitor brasileiro, é muito importante que a cobertura sobre os sistemas educacionais dos outros países da região apresente informações que possam ser aproveitadas pelo público brasileiro para avaliar quais são as medidas mais indicadas para aplicar ao cenário nacional. Mas, para que isso ocorra, os fatos têm que ser contextualizados em termos mais abrangentes do que aqueles alcançados na matéria publicada pela Agência Brasil.

Boa leitura!

[1] Veja os resultados do IDH ajustado por desigualdade no Relatório de Desenvolvimento Humano 2013
(http://hdr.undp.org/en/reports/global/hdr2013/download/) e o ranking no estudo da Economist Intelligence Unit (EIU) reproduzido em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-11-27/brasil-fica-em-penultimo-lugar-em-ranking-global-de-qualidade-de-educacao 
[2] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-25/professores-e-estudantes-mexicanos-protestam-contra-reforma-da-educacao-no-pais 
[3] http://www.telesurtv.net/articulos/2013/03/05/trabajadores-mexicanos-de-la-educacion-marchan-contra-reforma-4232.html
http://www.telesurtv.net/articulos/2013/04/06/tercer-dia-de-altercados-en-mexico-deja-denuncia-a-reforma-educativa-2009.html
http://www.telesurtv.net/articulos/2013/04/19/maestros-toman-parlamento-en-el-sur-de-mexico-para-exigir-reforma-educacional-1582.html