Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – O tratamento para crianças e adolescentes que vivem nas ruas e são dependentes de drogas, principalmente do crack, deve passar essencialmente pelo resgate de sua cidadania. Isso significa, segundo vários especialistas consultados pela Agência Brasil, que o tratamento só terá efeitos positivos se for acompanhado de ações envolvendo a promoção da família, educação, saúde, moradia e renda, entre outros.
“O [problema do] crack, para mim, é secundário. Como tratar o crack se você não oferecer alguma coisa além? A base do problema desse menino não é o crack, são os vínculos com família, com a escola. Não adianta um tratamento focado no crack. Deve-se fazer um trabalho que envolva a família ou que dê condições para ele [criança ou adolescente] se desenvolver”, disse Ana Regina Noto, professora do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua, feito no ano de 2004, em todo o país.
Para Antonio Sergio Gonçalves, psicanalista e coordenador do Departamento de Formação em Psicanálise Sedes Sapentiae, o tratamento contra a dependência de drogas por crianças e adolescentes também deve ser tratado na base. “Quando necessário, até fazemos uma internação involuntária, como forma de proteção, caso a vida do sujeito ou de terceiros esteja comprometida. Mas acho preocupante quando ela é formulada como política pública para responder a um fenômeno social que sabemos que, na base, tem outras questões que passam por renda, moradia, trabalho, proteção social, educação, lazer e uma série de violações”, disse.
O uso contínuo de crack por crianças e adolescentes, de acordo com o programa federal Crack é Possível Vencer, pode comprometer o desenvolvimento cerebral e impactar diretamente em sua capacidade cognitiva, trazendo dificuldades de aprendizado, raciocínio, memória e concentração. Também pode provocar transtornos afetivo, alimentar e de ansiedade, tais como fobia social e estresse. “Com criança e com adolescente é sempre mais preocupante [a dependência] porque são sujeitos em desenvolvimento. Os efeitos adversos vão impactar diretamente no desenvolvimento delas, diferentemente se pensarmos em um adulto, que já está constituído”, disse Antonio Sergio Gonçalves, psicanalista e coordenador do Departamento de Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo.
Segundo Robson Cesar Correia de Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo, o uso constante do crack afeta também o desenvolvimento físico dos dependentes. “Lá na Sete de Setembro [rua localizada no centro da capital paulista], por exemplo, temos 225 crianças que estão nas ruas. Têm crianças ali que estão desde os 9 anos no crack. E elas não crescem mais porque o crack prejudica o seu crescimento”, disse.
De acordo com Mendonça, a solução para o problema passa principalmente pela oferta de políticas públicas para todo o grupo familiar. “Simplesmente tirar elas de um lugar para o outro não vai resolver [o problema] nunca. Temos que criar um meio atrativo para essas crianças, para que elas saiam da rua. Por exemplo, um lugar onde possam se envolver com o esporte”, declarou.
Para a professora e pesquisadora Ana Regina, nenhuma ação que não envolva o resgate da cidadania dessas crianças e jovens terá sucesso. “Se não se tratar o sistema familiar, escolar e a reinserção social. Se você não tratar a rede de pertencimento desse menino, ele vai voltar [ao vício]. É gastar dinheiro público à toa. Deve-se fazer um trabalho complexo, de rede, de resgate desse menino”, ressaltou.
Edição: Aécio Amado
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