Carolina Gonçalves
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Na próxima semana, representantes de movimentos sociais que atuam na Amazônia brasileira vão receber a proposta do setor industrial para regular o uso e repartição de recursos genéticos cultivados e manejados pelas comunidades tradicionais da região, como os indígenas. A proposta é mais um passo na direção de um marco regulatório sobre o tema, que vem sendo discutido há quase dez anos no país.
Tanto o setor privado, quanto a sociedade civil e o governo reconhecem que a atual legislação sobre o uso desses recursos está desatualizada e não contempla uma série de situações e impasses impostos atualmente. No ano passado, integrantes da Comissão Nacional de Povos de Comunidades Tradicionais formularam uma proposta, que foi apresentada ao governo, e modificada pelos empresários. Os movimentos sociais acataram alguns pontos, mas voltaram a incluir processos que consideram fundamentais nas novas normas.
O principal ponto defendido pelas comunidades tradicionais é que o pagamento e regulação do uso de recursos considere, obrigatoriamente, o conhecimento dos povos sobre o cultivo, manejo e beneficiamento. As comunidades também querem garantir assento no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), responsável pela condução dos debates no país. O conselho já tem representantes de várias áreas do governo e de alguns segmentos da sociedade civil, como cientistas.
“A gente entende que o acesso ao patrimônio genético não pode estar dissociado do conhecimento tradicional. É muito difícil criar um protocolo sem vincular isto”, disse Rubens Gomes, conhecido como Rubão, presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), uma rede que integra organizações sociais atuanets em nove estados da região. Segundo ele, os movimentos tiveram cuidado para não alterar pontos desnecessários do texto, modificado pelos empresários.“Mas nos pontos que pudemos contribuir, nós alteramos”, explicou.
Admitindo que a repartição dos benefícios pelo uso dos recursos vai se tornar uma regra, Rubão defende que existam, pelo menos, duas formas de negociação. No modelo atual, por exemplo, empresas de cosméticos que usam castanhas repassam, voluntariamente, parte dos lucros, em dinheiro ou serviços.
A primeira forma é que o pagamento pelo recurso adquirido fora da região de origem seja depositado em um fundo, criado especificamente para destinar recursos (60%) para projetos socioambientais nas comunidades da Amazônia e (40%) para conservação da biodiversidade, com o desenvolvimento de pesquisas, por exemplo.
No caso do pagamento pelo recurso adquirido na própria região, que detém o bem e o conhecimento tradicional, as negociações seriam feitas diretamente com a comunidade local, respeitando o direito à soberania destes povos. “Neste caso, como movimento social local, temos que melhorar a capacidade deles para fazerem acordos mais justos, terem mais informações”, disse.
A capacitação desses povos e a identificação das necessidades locais são direitos implícitos em um dos pontos do Protocolo de Nagoia, que recomenda a formulação de protocolos comunitários, uma espécie de censo feito pelas próprias populações. Há menos de uma semana, independente de orientações das autoridades brasileiras, representantes do GTA começaram o processo em um assentamento no Amapá.
“O GTA começou uma certificação socioparticipativa. Os moradores da comunidade fazem um acordo de convivência e retomam o reconhecimento de seu espaço, ambiente, do potencial biocultural local e da forma de viver e definem a governança e controle local”, disse Rubens Gomes.
A aposta do grupo é que, a partir da identificação dos problemas e potenciais locais, do treinamento de técnicos locais e do acesso à informações sobre leis e debates, as comunidades se preparem melhor para negociar com outros setores. “Você está criando competências no local para a gestão territorial e dos recursos. Isso é importante para que eles tomem decisões embasadas nos conhecimentos, ritos, culturas locais e é importante até para negociarem políticas públicas com o Estado, que tem o dever de oferecer serviços básicos”, completou.
A proposta do setor empresarial será apresentada para os outros integrantes da comissão no dia 5 de março. No próximo dia 22, os representantes dos dois segmentos vão retomar os debates para tentar fechar um acordo em torno do texto, que será novamente apresentado ao governo.
“Minha percepção é que eles querem chegar a um acordo. A possibilidade de geração de novos negócios e repartição de benefícios só vai se dar se houver acordo entre as partes. O país precisa gerar riqueza, as comunidades precisam ser empoderadas e participar desse processo de desenvolvimento e todos temos que ter o compromisso da conservação”, concluiu.
Edição: Carolina Pimentel
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