Gabriel Palma
Repórter da Agência Brasil
Brasília – O artista plástico paranaense radicado em São Paulo, Elifas Andreato, inaugura hoje (6) um painel sobre a tortura na ditadura militar, chamado A Verdade Ainda que Tardia, montado no corredor de acesso ao plenário da Câmara dos Deputados. A obra faz parte da exposição Parlamento Mutilado: Deputados Federais Cassados pela Ditadura de 1964 , que homenageia os 173 deputados que tiveram seus mandatos cassados no período.
Antes da exposição, haverá uma cerimônia no plenário, que dará posse simbólica aos 28 deputados ainda vivos. A obra faz parte do resgate da história da ditadura militar. Com 5,5 metros de comprimento e 1,70 metro de altura, o painel levou três meses e meio para ser concluído. O artista, que trabalhou 15 horas por dia, considerou “o tempo curto para uma obra tão grande”. Esse processo foi registrado em um documentário feito pelo próprio autor.
Após participar de encontros que investigaram a Operação Condor, uma aliança político-militar entre o Brasil, Paraguai, Uruguai, Chile, a Argentina e Bolívia, criada com o objetivo de coordenar a repressão a opositores das ditaduras militares desses países, Andreato recebeu a encomenda da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, que tem o objetivo de investigar violações de direitos humanos por agentes do Estado brasileiro entre os anos 1946 e 1988. O painel é uma doação para a comissão e ficará na Câmara após o encerramento da mostra, no dia 14 de dezembro.
Para pintar o painel, Andreato - que fez parte da geração que lutou contra o regime, foi preso e teve problemas ao fazer jornalismo e artes gráficas - passou a estudar as práticas de tortura. “As revelações foram muito impressionantes para mim. Opondo-me ao regime, eu tinha quase certeza de que conhecia todos os métodos de tortura implantados pela Agência Central de Inteligência [CIA] americana e pelas polícias inglesa e israelense, mas, lendo e ouvindo relatos, descobri que desconhecia coisas aterradoras. Eram suplícios além daquilo que eu podia imaginar”, disse Andreato.
Para ilustrar a obra, o artista fez a coroa de Cristo, que perfurava o crânio das pessoas ao ser apertada com um parafuso, em um homem sentado na “cadeira do dragão”, espécie de cadeira elétrica. Outro indivíduo encontra-se crucificado. “Eu fiz questão de ter essa associação com o suplício de Cristo, porque eles tinham isso nesses processos”, disse o pintor. O painel ainda traz a inscrição do nome Dodora, codinome de Maria Auxiliadora Lara Barcelos e companheira de cela da presidenta Dilma Rousseff quando esta foi presa pela ditadura. Dodora suicidou-se na Alemanha, na década de 1970.
“Comoveu-me muito a história de Dodora porque ela foi barbaramente espancada e estuprada pelo capitão Guimarães [da Polícia do Exército, da Vila Militar do Rio de Janeiro]”, disse Andreato, que, para retratar o ambiente sujo e ensanguentado, utilizou a cor ocre, uma variação do marrom. “Fiz isso também para dar uma unidade ao painel, que foi pintado em três partes. Ele inteiro não cabe no meu estúdio. Se eu considerar que é um convite da pátria, é uma honra para mim poder retratar a crueldade e a barbárie praticadas por torturadores daquele período”.
Filho mais velho de uma família de baixa renda, Andreato imigrou do campo paranaense para a cidade de São Paulo. Aos 14 anos, foi chamado para decorar o salão de baile da fábrica onde aprendia o ofício de torneiro mecânico. Lá, ele transformou Aquarela do Brasil e outras composições de Ary Barroso em interpretações visuais.
No fim dos anos 1960, Andreato trabalhou na Editora Abril como diretor de arte. Fez a arte da Nova História da Música Popular Brasileira, uma coleção com 48 fascículos, acompanhados de um LP (disco de vinil) de 10 polegadas de compositores brasileiros. A publicação lhe rendeu convites para elaborar a arte de capas e a iluminação de palco para músicos como Paulinho da Viola e Martinho da Vila.
Em 1972, seu pensamento político materializou-se quando desenhou para o jornal Opinião, um semanário político do Rio de Janeiro de oposição ao regime. Em São Paulo, fez o jornal Movimento com a mesma ideia. “Eu tive amigos que sumiram, que foram espancados e fiz o que tinha que fazer”, acrescentou.
Edição: Fábio Massalli