Camila Maciel
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – O incêndio na comunidade Sônia Ribeiro, conhecida como Favela do Piolho, na zona sul da capital paulista, não pôde ser contido pela atuação da brigada de moradores, treinada para combater o fogo. Cerca de 40% das moradias foram destruídas pelas chamas, na última segunda-feira (3), e 285 famílias ficaram desabrigadas, segundo informações da Defesa Civil do município. A auxiliar de limpeza Zilma da Silva, 40 anos, relatou que a comunidade não dispunha de hidrantes localizados em pontos estratégicos, conforme prevê uma das etapas do Programa de Prevenção e Combate a Incêndios em Assentamentos Precários (Previn), criado pela Lei Municipal nº 15.022, de 2009.
Essa comunidade deveria servir como exemplo, tendo em vista que foi escolhida, no ano passado, para ser o projeto piloto do Previn, que até agora foi implantado em apenas 3% das 1.632 comunidades da capital paulita. Apesar das brigadas comunitárias não terem condições de lidar com grandes incêndios, por falta de estrutura, o modelo é defendido por especialistas como um meio eficaz de prevenir e combater as labaredas nas comunidades.
Para o capitão do Corpo de Bombeiros Renato de Natale Júnior, a atuação dos moradores é importante, pois pode evitar o alastramento das chamas. “Eles estão lá no princípio do incêndio. Mesmo com a melhor atuação da corporação, o tempo de resposta do Corpo de Bombeiros não daria conta de chegar instantaneamente”, avalia. Ele aponta que, em São Paulo, as viaturas costumam chegar ao local da ocorrência em um prazo de oito a dez minutos.
O Previn consiste na formação de zeladores comunitários, como são chamados os moradores que recebem o treinamento. Eles ganham uma bolsa mensal de R$ 653,10, conforme informações da prefeitura. O programa prevê ainda a entrega de kits com botas, capacetes e capa especial para o uso em incêndios. Além da capacitação, as outras etapas incluem: regularização elétrica, planejamento de ações de combate e adoção de medidas para minimizar os danos, caso a área seja atingida pelo fogo.
Na tarde de ontem (5), dois dias após o incêndio, ainda havia fumaça no local e as famílias circulavam à procura de objetos pessoais na Favela do Piolho. “Perdi tudo. Só consegui salvar meus oito filhos. Estamos abrigados em uma igreja. Recebemos colchões e cesta básica, mas onde vamos cozinhar?”, preocupa-se Zilma da Silva.
A mesma falta de infraestrutura para a atuação das brigadas de incêndio em favelas foi verificada pela Agência Brasil no Jardim Dona Sinhá, no bairro Vila Prudente, na zona leste da capital. Aparecida Gonçalves dos Santos, de 50 anos, zeladora do Previn na localidade, relata que o kit para combater incêndios ainda não chegou à comunidade. Aparecida aponta os locais que demarcou com tinta, há cerca de oito meses, para a instalação dos hidrantes. Ela acredita que pode ajudar, apesar da precária estrutura em uma situação de risco. “Como conheço a comunidade, sei onde é possível entrar e onde o acesso é mais difícil”, destaca.
A zeladora relata que, embora ainda não seja possível atuar no combate às chamas, o trabalho de prevenção já contribui para a redução de acidentes. “Visito as casas e converso com os moradores diariamente. Tento identificar possíveis focos e vamos diminuindo os riscos”, explica. Ela desempenha o trabalho no turno da manhã. Nos outros turnos, quatro zeladores fazem as rondas.
Aparecida está receosa com a série de incêndios em favelas neste ano. “Estamos todos com medo. Vou me sentir frustrada se não puder ajudar minha comunidade”, aponta. Só em 2012, foram registrados 32 ocorrências em São Paulo, segundo a Defesa Civil. O número é maior do que o de todo o ano de 2011, quando foram registrados 24 incêndios.
A prefeitura informou, por meio de nota, que o programa foi instalado em 51 comunidades – 3% do total de favelas em São Paulo – a partir de uma avaliação do nível de vulnerabilidade das localidades, feita pelo Corpo de Bombeiros. Perguntada sobre a falta de equipamentos para as brigadas de moradores e a intenção de ampliar o programa para as 1.632 comunidades, a prefeitura não se pronunciou até o fechamento da reportagem.
A Agência Brasil visitou também outra experiência de brigada comunitária, desta vez na zona oeste da capital, no bairro Rio Pequeno, na comunidade Vila Dalva. Esse projeto, no entanto, não faz parte do Previn. A ação foi iniciada em 2003, por meio do Instituto de Pesquisa Tecnológicas (IPT), da Universidade de São Paulo (USP). Os brigadistas são voluntários e atuam com extintores de incêndio.
A agente de saúde Sandra Lúcia Martins (ao fundo), 51 anos, participa desde o início da brigada da Vila Dalva e conta que pelos menos 20 focos de incêndios já foram combatidos. “Certa vez, precisamos resgatar uma criança de baixo da cama”, relembra, orgulhosa do trabalho. Sandra reforça que há um limite para o trabalho dos brigadistas. “Também não podemos nos arriscar. Só podemos nos aproximar a uma distância que nos deixe em segurança”, destaca. Ela informou que desde 2003 não houve incêndios de grandes proporções na comunidade.
“Cada um de nós tem de dois a três equipamentos [extintores] em casa”, explica o agente de saúde Ivani Correia de Santana, 30 anos, que participa da brigada desde o ano passado, quando foi formada uma nova turma.
O pesquisador da USP José Carlos Tomina, que coordenou, pelo IPT, a instalação de brigadas em cinco comunidades da capital em 2003, destaca que a formação dos moradores é uma medida simples, mas eficiente. “A precariedade nas comunidades é muito grande: as instalações elétricas, os focos de calor, os materiais combustíveis. O que pode ser evitado é que o fogo tome conta da favela por completo”, ressalta. Ele conta que, nas comunidades que tiveram o apoio do instituto, grandes incêndios já foram evitados pelos menos 100 vezes.
Edição: Juliana Andrade