Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília – A Fundação Cultural Palmares quer tornar o Cais do Valongo, na zona portuária do Rio de Janeiro, patrimônio histórico da humanidade. No próximo mês, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense, representantes do movimento negro, e técnicos da prefeitura do Rio, do governo estadual e da fundação irão se reunir para elaborar e apresentar um dossiê histórico sobre o sítio para a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
A ideia foi lançada esta semana pelo presidente da fundação, Elói Araújo, no Seminário Internacional sobre a Gestão de Sítios Históricos ligados ao tráfico negreiro e à escravidão, realizado em Brasília. “O Cais do Valongo é um ambiente que reúne as condições de ser um sítio de memória”, disse à Agência Brasil ao explicar que cerca de 1 milhão de pessoas trazidas da África para serem escravizadas no Brasil desembarcaram no local, que funcionou por cerca de 70 anos, desde 1758.
A estimativa citada por Araújo é que o local tenha recebido até um quinto dos escravos trazidos ao Brasil. Eles chegaram pelo Rio de Janeiro para trabalhar na exploração de ouro em Minas Gerais e na plantação de cana-de-açúcar em engenhos da região.
Em 380 anos de escravidão, o Brasil absorveu cerca de 40% do total de negros traficados pelo Oceano Atlântico. O país foi o último do Continente Americano a abolir a escravatura (1888). “Foi um ciclo de horrores, de um sofrimento indizível”, resumiu o presidente da fundação.
Segundo Araújo, o reconhecimento do local como patrimônio cultural tem a importância de “contar a história” e não será “apenas um registro para a população negra, mas para toda humanidade”. Araújo acredita que o local “será abraçado” como ponto turístico como ocorre com o Pão de Açúcar e o Corcovado.
O presidente da Fundação Palmares reage duramente a quem se opõe a transformar o Cais do Valongo em patrimônio da humanidade. “Alguns são cínicos, querem esquecer que houve tráfico negreiro? Ninguém nega o Holocausto [da 2ª Guerra Mundial] ou o lançamento da bomba atômica [sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão]”, compara ao lembrar que há sítios para a memória desses acontecimentos.
Se o Cais do Valongo for reconhecido como patrimônio da humanidade, será o primeiro porto de entrada de escravos com esse status no mundo. Para Ali Moussa Iye, diretor na Unesco do projeto A Rota do Escravo, “o sítio tem importância universal” e “é um patrimônio de valor excepcional”. Ele sugere que, além do cais, haja espaço no entorno para um museu dedicado à memória da escravidão.
“O tráfico desumanizou as pessoas; precisamos contar essa história para reumanizar”, defende. Segundo ele, iniciativas como o reconhecimento das rotas da escravidão “rompem o silêncio” e estabelece um diálogo entre “quem sente culpa” (os países escravistas) e “quem tem vergonha” (os países africanos de onde saíram os escravos) e abre a possibilidade de “interação” e “troca cultural”. Segundo ele, “é preciso entender o passado para compreender o presente e para fazer o futuro”.
O seminário internacional sobre a gestão de sítios históricos ligados ao tráfico negreiro e à escravidão marca o aniversário de 24 anos da Fundação Palmares. Hoje à noite, no Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília, o cantor e compositor Carlinhos Brown fará um show em homenagem ao aniversário da fundação.
Edição: Fábio Massalli