Alana Gandra
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - Os participantes da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +20) poderão assistir, no próximo dia 19, ao voo de demonstração Azul+Verde, de um jato 195 da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), pertencente à empresa Azul Linhas Aéreas, abastecido com combustível renovável, feito à base de cana-de-açúcar produzida no Brasil
O sucesso dos testes foi anunciado no último dia 4 pelas empresas Azul Linhas Aéreas, Embraer, Amyris e GE, essa última fabricante do motor CF34-10E que vai equipar o jato da Embraer.
Pela primeira vez no país, um jato irá voar com um biocombustível de aviação produzido à base de cana-de-açúcar. A assessoria da Embraer informou que maiores detalhes serão fornecidos durante o voo, na Rio+20. A ideia é que o biocombustível para jatos apresente desempenho similar aos combustíveis convencionais derivados de petróleo.
Na avaliação do coordenador do Programa de Engenharia de Transportes da Coordenação de Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), Marcio D’Agosto, o projeto representa benefícios do lado ambiental, mas mostra problemas tecnológicos.
O professor lembrou que a Amyris já fabrica uma série de produtos a partir da fermentação do caldo de cana-de-açúcar. A própria Coppe vem testando um diesel de cana fabricado pela Amyris. D'Agosto disse que já existem algumas iniciativas no mundo utilizando biodiesel no setor da aviação. “O mundo todo está desenvolvendo biocombustíveis para uso aeronáutico, porque você tem que substituir o querosene de aviação”. Ele lembrou ainda que, no Brasil, essa iniciativa é inovadora, embora não seja pioneira.
Marcio D’Agosto citou o professor Expedito Parente, da Universidade Federal do Ceará, como um dos precursores nesse campo, ao produzir bioquerosene na década de 1980. “No momento, no Brasil, acho que essa é uma iniciativa isolada no campo do transporte aéreo". O país já vem usando etanol para motor aeronáutico em aviões de pequeno porte que fazem pulverização no interior.
O coordenador da Coppe esclareceu que diferentemente de outros modais de transporte, principalmente o terrestre, os setores aéreo e marítimo têm muita dificuldade de substituir os atuais sistemas de propulsão. Referiu-se aos automóveis que hoje, além de usar gasolina e álcool, podem também ser movidos a eletricidade. No avião, ao contrário, essa possibilidade é nula devido ao problema de autonomia e peso.
”A tecnologia do transporte aéreo hoje está muito amarrada ao uso de propulsor do tipo turbina, que é um motor com eficiência relativamente alta, que dá uma autonomia boa para tráfego, porque consegue ser mais eficiente”. O combustível usado é o querosene de aviação, que é um derivado de petróleo. “Eu consumo energia de fonte não renovável e emito dióxido de carbono, que é o principal gás de efeito estufa, que vai agravar o problema do aquecimento global”.
No caso de uma fonte renovável, como o querosene derivado da cana-de-açúcar, o professor da Coppe comentou que a queima desse combustível é contrabalançada pela absorção de gás carbônico. “Quando eu planto a fonte da energia, que é a cana-de-açúcar, consigo ter um balanço positivo, tendendo a zerar esse processo.
Um dos problemas do novo combustível renovável para aviação é o alto custo, apontou D’Agosto. Embora não tenha dados a respeito do valor do produto, ele disse que o preço do diesel de cana, que vem sendo testado pela Coppe, por exemplo, é cinco vezes superior ao do diesel de petróleo. “Porque não há escala de produção ainda, porque há um processo tecnológico que está carente de uma estruturação de escala para produção, porque você está usando uma matéria-prima que serve para produzir também açúcar, etanol, diesel de cana ou querosene”. São mercados concorrentes, salientou.
Outro aspecto é que o modal aéreo é afetado de maneira significativa pela não conformidade de produto. “Se você coloca um óleo diesel que tem algum problema de produção, de especificação, em um ônibus ou caminhão, ele enguiça e para. Mas se isso acontece com um avião, ele cai”. Por isso, observou que o produto tem que estar muito bem enquadrado, com um processo produtivo regular e com qualidade comprovada, para ser utilizado pelas companhias aéreas. Essas, a seu ver, são muito criteriosas quanto ao aspecto da conformidade e qualidade do combustível e do processo produtivo.
A conclusão do professor da Coppe é que ainda vai demorar algum tempo até que o combustível renovável experimental para jatos alcance uma escala de produção. Esse processo vai depender de muitos fatores, entre eles o preço do petróleo no mercado externo. “Se o petróleo amanhã ficar muito caro, automaticamente as questões de preço (do combustível de cana para aviação) são minimizadas. Se você encontrar uma rota alternativa de produção que utiliza outra matéria-prima, facilita, porque não concorre com etanol ou com açúcar”. Ele lembrou que, em termos ambientais, o projeto desenvolvido pela Amyris “é muito bom”.
Procurada pela Agência Brasil, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que já existe pedido para a realização de um voo com biocombustível de Campinas para o Rio de Janeiro – Aeroporto Santos Dumont, com realização de voos locais no Rio e retorno para Campinas no mesmo dia. O pedido foi feito no último dia 25 de abril. O voo será autorizado pela Anac por meio da emissão de um Certificado de Autorização de Voo Experimental (Cave), “com o objetivo de pesquisa e desenvolvimento, só com convidados a bordo e cientes do propósito experimental”.
A Anac informou ainda, por meio de sua assessoria, que está em contato com a Azul, a Embraer e a GE (fabricante do motor) “para estabelecer os procedimentos e limitações impostas ao avião para permitir sua operação segura”
Edição: Graça Adjuto