Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – Por unanimidade de votos, a Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou hoje (15), em caráter liminar, a destinação de 25% dos leitos de hospitais públicos para atendimento de pacientes particulares ou para beneficiários de planos de saúde. O mérito da lei, no entanto, não foi julgado e ainda não foi definida uma data para que isso ocorra.
Em agosto do ano passado, o juiz Marcos de Lima Porta, da 5ª Vara da Fazenda Pública Central, concedeu liminar atendendo a uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público de São Paulo, que pedia a suspensão dos efeitos do Decreto 57.108, assinado em julho de 2011. O texto prevê que os hospitais estaduais gerenciados por organizações do terceiro setor ficam autorizados a atender, de forma diferenciada, os clientes de planos de saúde, cobrando o ressarcimento diretamente das operadoras de convênios.
Para o Ministério Público, a lei é inconstitucional e cria uma dupla porta, ou seja, os usuários de planos de saúde poderiam ter privilégio na fila em relação aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). O governo recorreu da decisão liminar e, hoje, o Tribunal de Justiça decidiu negar o provimento a esse recurso.
“Continua não valendo a lei que permite a entrega de 25% dos leitos para particulares e planos de saúde”, explicou o promotor de Justiça e de Direitos Humanos da Área de Saúde Pública, Arthur Pinto Filho. Com isso, segundo ele, o estado precisa agora aguardar a decisão de mérito pelo juiz Marcos de Lima Porta. “É uma ação civil pública, que está tendo andamento e, uma hora, ela será decidida. Enquanto não houver uma decisão do juiz, não há o que ser feito neste momento”, explicou.
O promotor considerou a decisão histórica. “Essa lei cria um problema gravíssimo no estado de São Paulo. Ela tira 25% dos leitos dos grandes hospitais públicos estaduais e entrega esses leitos para os planos privados, que não entraram com um tostão para melhorar ou equipar esses hospitais. Com isso, as filas do SUS aumentariam 25%”, disse Arthur Pinto filho.
Para ele, a lei não tem paralelo no Brasil e, por isso, ele acredita que a decisão da Justiça abre um precedente importante para o restante do país. “Essa é uma vitória nacional, uma nova perspectiva. A dupla porta, se implantada em qualquer hospital, gerará privilégios para quem tem plano de saúde ou particular. E isso quebra a ideia de igualdade”, argumentou.
Na semana passada, o Conselho Nacional de Saúde havia pedido à Justiça de São Paulo que considerasse ilegal a lei estadual. Para o conselho, a lei favorece a prática de “dupla porta” de entrada, “selecionando beneficiários de planos de saúde privados para atendimento nos hospitais públicos, promovendo, assim, a institucionalização da atenção diferenciada com preferência na marcação e no agendamento de consultas, exames e internação e melhor conforto de hotelaria”.
Por meio de nota, a Secretaria Estadual de Saúde informou ainda não ter sido notificada sobre a decisão do Tribunal de Justiça. “Cabe ressaltar, entretanto, que não houve julgamento do mérito e, sim, de recurso interposto pelo Estado contra a liminar”, disse a secretaria na nota.
A justificativa para a implementação da reserva de percentual dos leitos públicos para usuários de planos de saúde é a necessidade de ressarcir as entidades sem fins lucrativos que gerenciam os hospitais estaduais quando prestam serviços a beneficiários de planos de saúde.
Segundo a secretaria, o atendimento é feito hoje em dia, mas não há como cobrar legalmente das operadoras, o que acaba onerando o caixa do SUS em cerca de R$ 500 milhões por ano. “Sem essa possibilidade de cobrança de ressarcimento, permanecerá o quadro de injusto e de indevido benefício às operadoras de planos de saúde, que recebem a mensalidade dos seus clientes, mas não têm nenhum desembolso quando eles são atendidos em hospitais públicos”, diz a nota.
A secretaria alega ainda que, pela regulamentação da lei, a reserva de leitos ou preferência aos pacientes de planos de saúde é proibida. “É errado, portanto, falar em 'venda de leitos', 'reserva de leitos' ou 'dupla porta'. Isso não ocorrerá”.
Edição: Lana Cristina