Flávia Albuquerque
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – Encontro da Rede Nossas Crianças, que reúne 166 organizações sociais que atendem a mais de 61 mil crianças e adolescentes de famílias de baixa renda, discutiu hoje (9) o enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. As organizações elaboraram uma carta que reafirma a posição de repúdio do grupo em relação à exploração sexual infantojuvenil. O documento será enviada para redes sociais e distribuído às autoridades das 44 cidades de 11 estados onde a Rede está presente no dia 18, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantojuvenil.
Durante o evento organizado pela Fundação Abrinq - Save the Children, a psicóloga Maria Inês Rondello, coordenadora do Programa Cuidar do Projeto Quixote, informou que dados da prefeitura de São Paulo apontam que 61% dos abusados são do sexo feminino e 39% masculino. Entre as meninas 17% têm até 5 anos, 45% de 6 a 10, 27% de 12 a 14 anos e 11% de 15 a 17 anos. Já entre os meninos, 15% estão na faixa etária até 5 anos, 51% de 6 a 10, 20% de 12 a 14 anos e 14% de 15 a 17 anos.
Com relação aos tipos de violência 44% são abuso sexual; 2%, exploração sexual; 21% se tratam de negligência; 20%, violência física e 13%, violência psicológica. Quando analisados os agressores, 29% são a própria mãe; 28%, o pai; 10%, o padrasto ou a madrasta; 5%, os irmãos; 7%, outros parentes e 21% pessoas estranhas. “Apesar de os dados estarem divididos podemos pensar que a violência psicológica está presente em todos os outros tipos de violência. Na violência sexual, muitas vezes há violência física também. Sempre há associação de uma com a outra”.
O advogado e presidente da Fundação Criança de São Bernardo do Campo, Ariel de Castro Alves, afirmou que a área dos direitos da criança e adolescentes foi a que menos avançou no Brasil. "Sequer existe essa disciplina na universidade de direito. Quando procuramos livros sobre o assunto em bibliotecas ou livrarias o que há é muito pouco. O que defende o menor é o antigo direito do menor, que costuma ser o menos importante. As figuras jurídicas que atuam nisso acabam se tornando figuras folclóricas".
Ariel ressaltou que muitas vezes a própria Justiça culpa a vítima e julga seu comportamento como propício à violência. Ele citou um caso no qual o estuprador de três adolescentes de 12 anos foi julgado inocente porque havia testemunhas de que as meninas já se prostituíam antes de sofrerem a violência. "Isso dá licença para ocorrer impunemente a exploração. Vários réus vão poder se beneficiar. Decisões como essa geram brechas para a impunidade", protestou Ariel.
A coordenadora do programa de mobilização e comunicação social do Coletivo Mulher Vida, de Olinda (PE), Adriana Duarte Araújo, explicou que o abuso sofrido por crianças e adolescentes dentro de casa por quem mais confiam insere na mente do agredido uma relação de afeto e violência ao mesmo tempo. Segundo ela, é preciso tratar quem está nessa situação para que o agredido lembre e fale daquilo e possa atribuir novo significado à situação.
"Esse é um processo demorado, pois ressignificar é olhar para a cicatriz com o objetivo de gerar a cura e o indivíduo passar a aceitar aquilo como parte de sua vida. Não dá para reconstruir a infância, mas a cicatriz não precisa doer o tempo todo. E é preciso dar oportunidade porque estamos falando de situações que tem a ver com dependência econômica", disse.
Edição: Fábio Massalli