Roberta Lopes
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Além de aumento salarial e redução da jornada, os trabalhadores brasileiros querem mais segurança, capacitação profissional, assistência à saúde, valorização e reconhecimento da atividade que exercem. Foi o que constatou a Agência Brasil, que foi às ruas para descobrir se as reivindicações dos trabalhadores coincidem com as demandas apresentadas pelas centrais sindicais neste 1° de Maio.
Na pauta de reivindicação dos sindicalistas estão, entre outros pontos, a redução da taxa de juros, o fim do fator previdenciário, a valorização das aposentadorias, a igualdade entre homens e mulheres, o trabalho decente, o fim do imposto sindical e a regulamentação da terceirização.
Entretanto, as reivindicações que afetam mais diretamente o dia a dia dos trabalhadores foram as mais citadas pelos entrevistados: a redução da jornada sem corte de salários, educação e qualificação profissional e o aumento salarial. Das 13 pessoas ouvidas pela Agência Brasil, seis reclamaram da excessiva jornada de trabalho e nove reivindicaram salários mais altos.
As centrais sindicais pedem ainda a valorização do salário mínimo, que hoje é R$ 622. Segundo pesquisa do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o valor deveria ser aproximadamente R$ 2,4 mil para cobrir todas as necessidades básicas previstas na Constituição Federal.
Grande parte dos entrevistados declarou que gosta da profissão que exerce e não quer mudar de área. Entretanto, pede mais valorização e reconhecimento por aquilo que faz.
Leia, abaixo, as reivindicações dos trabalhadores ouvidos pela Agência Brasil:
Wanderson Gomes da Silva, 33 anos, flanelinha.
"Estou nessa profissão há 20 anos e gosto de trabalhar como vigia de carros. Eu faço meu horário e não gosto de trabalhar para outras pessoas. Já trabalhei com carteira assinada, mas prefiro trabalhar por conta própria. Não pretendo ficar rico com minha profissão, mas com ela é que como e bebo. Parei meus estudos na 3ª série e depois disso nunca mais entrei em uma sala de aula. Estudar é muito bom, mas não dá para estudar e trabalhar. Tive que escolher trabalhar, pois preciso encher minha barriga. Minha família é muito humilde. Pago INSS porque não sei o dia de amanhã. A maior dificuldade no meu trabalho é não ter salário fixo, é muito difícil não ter certeza de quanto vou receber no fim do mês. Não tenho grandes sonhos, tenho orgulho de dizer que sou vigia e lavador de carro: faço exercício, ocupo a mente e ainda ganho dinheiro."
Aparecida Ribeiro de Assis, 70 anos, cabeleireira.
"Muitas coisas precisam ser melhoradas na minha profissão. A quantidade de horas que trabalhamos é excessiva. Não tenho horário fixo de trabalho, dependo da clientela e isso varia muito. Pretendo trabalhar para mim mesma, já abri salão várias vezes, mas nunca deu certo. É muito difícil manter um estabelecimento, além da burocracia que enfrentamos para regularizar o negócio. Espero trabalhar aqui [no salão de beleza] temporariamente, mas da profissão de cabeleira eu não quero sair, faço o que gosto. O maior problema na minha profissão é o baixo salário. Trabalho muito e ganho pouco. A minha profissão prejudica a saúde de alguns profissionais. Problemas como alergias, bursites e tendinites são comuns."
Paulo César Santana, 45 anos, motoboy.
Minha profissão é bem complicada. O trânsito é o pior ponto para quem pilota uma moto. Sem contar que não somos valorizados, o salário é ridículo. Sustentar uma família com R$ 800 ao mês não é fácil. Para melhorar, tudo tem que mudar: questão de respeito, o tempo trabalhado. Trabalho dez horas por dia e, infelizmente, não tenho outra opção. O trabalho é muito arriscado e o perigo é constante. Não temos nenhum tipo de seguro de vida, nem plano de saúde, isso dá insegurança. Como não estudei, tenho que ‘ralar’ em cima da moto mesmo. Nunca consegui prestar atenção nas aulas, me arrependo muito por não ter estudado, talvez tudo fosse diferente, né? Tenho vontade de subir de cargo na empresa que trabalho, mas, para isso, tenho que me especializar em alguma área da mecânica.
Rodrigo Funke, 33 anos, manobrista
"Sou manobrista há quatro meses. Trabalho nove horas por dia com uma hora de almoço. Antes de conseguir esse trabalho, fazia serviços esporádicos. Se não fosse manobrista, gostaria de ser motorista ou vigilante. Gostaria que melhorasse o salário porque ele não é suficiente para sustentar a família. Nessa profissão, somos discriminados, as pessoas não respeitam muito. Para completar minha renda, faço outros trabalhos, como pintura, reparos de casa e serviços de bombeiro hidráulico. Tenho ensino médio completo. Se pudesse, faria um curso superior de engenharia mecânica. Tenho vários cursos na área de escolta armada, de vigilância e carteira de motorista de caminhão. De vez em quando eu consigo trabalho nessas áreas, mas é difícil, precisa de indicação. O problema do mercado de trabalho não é a concorrência, mas a dificuldade para ser selecionado. Se você não conhecer alguém que te indique, não vai pra frente, fica estagnado. Não importa se você tem vários cursos, boa qualificação, é preciso ter contatos para conseguir lugar no mercado de trabalho.
Edvan Ferreira da Silva, 29 anos, porteiro.
Trabalho como porteiro há seis anos. Antes disso, trabalhava em fazenda. Estudei até o ensino médio, porque não tinha condições financeiras para pagar uma faculdade. Já fiz cursos profissionalizantes, de vigilante, de atendimento ao cliente, de informática. Se eu pudesse fazer faculdade, faria medicina veterinária. Trabalho de segunda a sábado, 12 horas por dia, o que é proibido pelo sindicato. O normal é oito horas. Minha jornada inclui uma hora de almoço e três horas extras. O salário devia ser melhor. Nossa categoria ganha muito pouco. O trabalho é tranquilo.
André Luiz Ferreira Passos, 36 anos, auxiliar de serviços gerais.
Trabalho como auxiliar de serviços gerais há um ano e seis meses. Antes disso, trabalhava em um supermercado. Não estou satisfeito com o trabalho, ganho pouco e é ruim enfrentar o sol quente para varrer a grama. Tenho curso de vigilante e operador de microcomputador, mas ainda não consegui oportunidade para trabalhar com essas funções. Acho que deveria ter mais auxiliares. Aqui, somos apenas três e às vezes o serviço é pesado. Trabalho oito horas por dia, as horas poderiam ser reduzidas. Acho que a empresa poderia fornecer material para trabalhar, como botas e chapéu.
José Romão Palmeira, 36 anos, padeiro.
Trabalho como padeiro há 16 anos. Gosto da profissão. Trabalho das 8h às 16h20. Acho que muita coisa devia ser melhorada, o salário, o transporte. Eu moro no Itapoã [a cerca de 30 quilômetros do centro de Brasília], o ônibus vem cheio, demora. Antes de ser padeiro, eu era ajudante de pedreiro, no Tocantins. Juntando o meu salário e o da minha esposa, a gente passa ‘arrocho’. Ela é cozinheira, trabalha no Lago Norte. Estudei só até a 7ªsérie, estava com planos de voltar a estudar este ano. Mas minha esposa está estudando, então devo retomar esse sonho mais para frente. Com certeza o estudo vai dar uma condição melhor, porque, sem isso, eu vou continuar sendo padeiro o resto da vida.
Claudiane de Freitas, 22 anos, cobradora de ônibus.
Sou cobradora há um ano e dois meses. Meu trabalho só não é melhor por causa das condições. Trabalho na linha que vai para Águas Lindas [cidade do Entorno do Distrito Federal] e a viagem é cansativa, por causa da pista cheia de buracos. Muitas vezes trabalho 12 horas por dia, o salário é pouco. Eu não quero passar o resto de minha vida como cobradora, sou jovem quero uma coisa melhor. Trabalho com carteira assinada, só que não tenho benefícios como plano de saúde. Na minha opinião, deveria ter, porque a gente fica muito tempo sentado e acaba com problemas na coluna. Tem muita gente ‘encostada’ por causa disso. O prejuízo, infelizmente, a gente carrega nas costas.
Diogo Mendes, 49 anos, médico.
Trabalho no Hospital de Base de Brasília, em um hospital privado e no meu consultório. Tenho 23 anos de formado. A medicina dá muito trabalho, porque, apesar de você cuidar da saúde [da população], não tem tempo de cuidar da própria saúde e também não tem tempo de cuidar da família. É um trabalho que demanda tempo, dedicação, atualização e investimento do indivíduo e das instituições. É muito bom e gratificante ser médico. Contudo é preciso conscientizar a população de que os médicos não têm condições dignas de trabalho. O médico trabalha com jornadas de 20, 40 ou 60 horas semanais, mas, na prática, trabalha de 80 a 100 horas por semana. Não estamos satisfeitos com o salário. Historicamente, nosso salário está diminuindo. Eu gosto da minha profissão, mas preciso pagar contas, como todo mundo. A questão de gostar ou não é secundária, porque, uma vez que você está trabalhando, assume uma série de responsabilidades com o seu empregador, com a sua família e com a comunidade. Ou você abandona a profissão ou tem que cumprir essas obrigações.
Samjhai Ghandi, 32 anos, caminhoneiro
Antes de ser motorista de caminhão eu trabalhei como consultor de vendas. Trabalhei uns seis anos para outras pessoas, até conseguir conquistar o meu próprio caminhão. Era um sonho antigo, o primeiro que comprei foi roubado e não tinha seguro. Agora, comprei outro e sou realizado profissionalmente. Trabalho cerca de 15 horas por dia, de segunda a sábado. Enfrento problemas todos os dias, o trânsito de Brasília é complicado, é difícil achar estacionamentos para caminhões, sem contar as numerosas vias em que caminhões não podem transitar em certos horários. A profissão não é valorizada, apesar do trabalho duro que enfrentamos todos os dias. Faço cerca de 40 entregas por dia. O salário é baixo, o trabalho, cansativo. Pegamos peso todos os dias, tenho problemas nas costas e não tenho plano de saúde.
Jéssica Urcino Ferreira, 20 anos, secretária
Eu não me sinto realizada profissionalmente somente por um motivo: o salário poderia ser melhor. O salário mínimo é muito baixo. Para mim, seria impossível sustentar uma casa e uma família com R$ 622. Porém meu ambiente de trabalho é maravilhoso.Sempre sonhei em ser secretária, me identifico muito com a dinâmica do trabalho. Valorizo muito minha profissão e, por isso, se algum dia eu contratar uma secretária, vou remunerá-la melhor. Eu gostaria que minha categoria fosse mais valorizada, pois somos, muitas vezes, porta-vozes e fazemos um tipo de conexão dentro do ambiente de trabalho. Trabalho como terceirizada e gostaria que a terceirização fosse regulamentada. Sinto uma enorme pressão por parte de todo mundo que mora aqui em Brasília. Todos julgam que é necessário passar em concurso público. Mas acho que não deveríamos ser obrigados a passar em concurso para ter estabilidade. Acho isso um grande erro.
Maria Joana de Oliveira Carmélio, 59 anos, servidora pública.
Eu gosto do que faço. Vai fazer 30 anos que sou concursada. Não sou formada. Acho bom o serviço público, mas, para os jovens que estão começando agora, é sempre bom ter algo a mais. Eles não podem deixar que o funcionalismo público tome conta, nem se acomodar. Eu gostaria que houvesse um reajuste na data-base. Eles aumentam para uns e não aumentam para outros. Acho que tinha que ser para todo mundo. O salário não dá para tudo, a gente tem que esticar. A jornada de trabalho é oito horas por dia, segunda a sexta. Não me imagino fazendo outra coisa. Agora, tudo o que eu quero é conseguir a aposentadoria e viajar um pouco.
Ramiro Pereira da Silva, 47 anos, pipoqueiro
"Há quatro anos trabalho como autônomo vendendo pipoca em vários lugares de Brasília, onde tem movimento eu estou lá. Antes eu trabalhava de motorista no comércio, o que eu ganhava não dava para sustentar a família. Trabalhei mais de 20 anos com carteira assinada. Hoje, o que eu ganho dá para o sustento da casa e ainda pago faculdade para uma filha e cursinho para a outra. Eu não estudei porque morava na zona rural e só consegui o ensino fundamental incompleto. Quando mudei para a cidade tive que trabalhar e não pude mais estudar. Se eu tivesse estudado, queria ser advogado ou jornalista. Me arrependo muito, por isso, faço de tudo para os meus filhos estudarem."
Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo