Carolina Gonçalves
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – Quase 8 mil brasileiros que sofrem hoje com a hemofilia continuam vivendo a expectativa do fracionamento da produção nacional de fatores sanguíneos que precisam ser repostos durante o tratamento da doença. Mesmo estando longe de uma ameaça real nos dias de hoje, a possibilidade de desabastecimento do material, que assombrou o setor no país até 1998, ainda alarma essa população.
A hemofilia é caracterizada pela ausência de proteínas no organismo conhecidas como fator 8 e fator 9, responsáveis pelo processo de coagulação. Atualmente, o governo brasileiro importa essas proteínas extraídas de plasmas sanguíneos ou produzidas tecnologicamente por países como a França, Alemanha e os Estados Unidos.
Os custos da aquisição das proteínas, em laboratórios americanos e europeus, vêm crescendo anualmente. Em 2009, foram gastos US$ 680 milhões. Os gastos passaram para US$ 700 milhões, em 2010, e US$ 950 milhões em 2011. O diretor do Departamento do Complexo Industrial e Inovação em Saúde do Ministério da Saúde, Zich Moysés Júnior, disse que a justificativa para o aumento dos gastos é “o aumento do acesso por parte da população [às proteínas]. O tratamento está sendo feito com maior precisão e estamos com maior nível de capacidade diagnóstica”.
Segundo ele, com atendimento mais qualificado, a tendência é que o volume de fatores utilizados continue crescendo, mas os gastos podem cair. Essa redução só vai acontecer quando o Brasil concluir a fábrica nacional de hemoderivados, conhecida como Hemobras, que está sendo construída em Goiás. De acordo com informações do Ministério da Saúde, os investimentos já chegam a R$ 27,4 milhões. Os recursos destinam-se à construção do bloco da fábrica onde vai funcionar a recepção, triagem e o armazenamento do plasma brasileiro, que é a matéria-prima para produção de medicamentos derivados do sangue
A previsão é que a Hemobras comece a operar em dois anos, trazendo uma economia de mais de US$ 1 milhão aos cofres do governo. “A partir de 2014, teremos uma produção nacional extremamente significativa e seremos um dos poucos produtores nacionais desses derivados”, explicou Moysés Júnior.
Ele acrescentou ainda que a meta é atingir a autossuficiência na produção de derivados do sangue, mas alertou que esse objetivo pode ser adiado. “Não depende apenas do plasma, que não temos em quantidade suficiente para atender toda a demanda. Depende muito da tecnologia [para reproduzir artificialmente as proteínas ausentes]. A autossuficiência é perseguida mas, quando chegar a autossuficiência [considerando os dados atuais], pode ser que tenha aumentado o consumo e você tenha que aumentar a escala de produção”, disse.
Até a Hemobras entrar em atividade, um grupo de cerca de 20 especialistas brasileiros vai acompanhar a produção francesa das proteínas. A transferência de tecnologia é parte de um acordo entre o Ministério da Saúde e um laboratório estatal francês. O acordo também prevê o envio de plasma brasileiro para que técnicos franceses transformem e fragmentem em proteínas os componentes que serão reenviados para os tratamentos no Brasil.
A medida já vai garantir que pelo menos 50 crianças que sofrem com a hemofilia comecem, ainda este ano, o tratamento profilático primário, ou seja, a reposição das proteínas antes que ocorra um sangramento externo ou em articulações. “A profilaxia primária, a princípio, consome mais fator [proteínas 8 e 9 que são repostas de uma a duas vezes por semana]. Mas, ao final, por evitar deformidades e outras consequências, você tem menor custo [para a saúde]”, explicou a hematologista Sandra Valin Antunes, chefe do Serviço de Hemofilia da Universidade Federal de São Paulo Unifesp.
Sandra, que é especialista da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), disse ainda que o tratamento não tem um prazo definido e que sua duração depende muito mais da persistência e das reações de melhora do paciente. Ela explicou que a reposição pode acontecer de uma a três vezes por semana e as crianças, selecionadas por terem quadros mais graves de hemofilia, ainda podem ter dificuldades com a injeção das proteínas por terem limitado acesso venoso.
A especialista comemora os avanços do tratamento no Brasil e acredita na promessa de que, “quando a Hemobras estiver em produção total, os pacientes com hemofilia [tipo B] vão ter uma empresa autossuficiente em [proteína] fator 9”. Segundo ela, a produção da proteína fator 8 vai exigir mais tempo e tecnologia. “Mas, além dessas proteínas, a fábrica vai ser capaz de produzir outros componentes do sangue, que vão poder atender outros tipos de pacientes, não apenas hemofílicos”.
Edição: Lana Cristina