Para ONGs, decreto que suspendeu repasses pode gerar mais irregularidades

31/10/2011 - 20h00

Débora Zampier
Repórter da Agência Brasil

Brasília – O decreto que suspendeu o repasse de verbas para organizações não governamentais (ONGs) por 30 dias, publicado hoje (31) no Diário Oficial da União, pode acabar incentivando a corrupção e o surgimento de novas irregularidades na análise das contas, segundo a opinião de representantes e especialistas do terceiro setor. Eles dizem que o decreto foi arbitrário e não atacou o problema principal – a forma de liberação desses convênios.

Vera Masagão, da Diretoria Executiva da Associação Brasileira de ONGs (Abong), acredita ser impossível avaliar as contas criteriosamente em um mês, o que pode ser o estopim para novos problemas. “Nos tememos mais arbitrariedades, pois os órgãos responsáveis ficarão açodados para avaliar esses convênios, sem falar na sobrecarga de trabalho. Ou essa devassa não acontecerá de forma aceitável, ou vai se instalar um caos”, declarou.

Sócio do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), Eduardo Szazi também acredita que o prazo dado para a prestação de contas foi muito curto, o que pode criar uma situação de favorecimento de ONGs dentro dos ministérios. “Na pior das hipóteses, como a retomada da liberação de recursos depende da avaliação das prestações de contas, que estarão acumuladas ‘aos montes’, o decreto induz o aumento do ‘tráfico de influências’ nos gabinetes ministeriais”, disse.

Relatório das contas do governo em 2010, aprovado em junho pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mostra que o principal problema na avaliação de convênios não está na omissão de entidades em prestar contas, e sim na lentidão dos gestores para avaliá-las. Enquanto 2.780 entidades deixaram de entregar documentação para análise, 42.963 convênios aguardavam fiscalização no final do ano passado, com um atraso médio de seis anos e dez meses para análise dos papeis.

Silvia Picchiono, representante do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Fboms), vê irregularidade no próprio decreto e diz que as entidades que representam as ONGs estão analisando a possibilidade de contestar a norma na Justiça. “O decreto tem caráter de ilegalidade porque está questionando um instrumento jurídico institucionalizado chamado convênio. Se tudo estava errado, como estão presumindo, como o convênio foi liberado?”, indaga.

Apesar da posição contrária à suspensão do repasse de verbas, os representantes de ONGs são favoráveis à devassa nas contas, pois acreditam que, de fato, há grupos que se escondem atrás dessas organizações para agir de forma ilegal. Uma das críticas diz respeito à falta de distinção entre as várias categorias de entidades sem fins lucrativos, como partidos, clubes recreativos e entidades comunitárias. “Essas ONGs picaretas, 99,9% são de partidos políticos ou de políticos. A devassa já deveria ter sido feita há mais tempo”, disse Picchiono.

De acordo com a representante da Fboms, a suspensão dos recursos colocou em suspeita a atuação de ONGs no momento em que elas se mobilizam para discutir o novo marco regulatório das organizações da sociedade civil. “Estávamos trabalhando em um seminário para novembro com a Presidência da República a fim de debater esse assunto. Queremos mais ética, e uma das coisas que defendíamos é a dupla criminalização de quem faz falcatrua com ONGs. Por exemplo, se a pessoa perde direitos políticos por oito anos, deveria perder por 16 anos. Esse decreto veio na contramão do movimento”, declarou.

Para o diretor executivo da Transparência Brasil, Claudio Abramo, o decreto do governo foi acertado, pois é uma maneira de adequar a forma como os convênios são feitos. “As regras são definidas de acordo com as vulnerabilidades que são encontradas. O papel principal de um decreto como esse não é falar 'pega ladrão', é identificar os problemas para sanar depois, regulamentando mais profundamente a questão do convênio”.

Ele também acredita que os órgãos de controle, como o TCU e a Controladoria-Geral da União (CGU), teriam muita dificuldade para fiscalizar os cerca de cem mil convênios, mas que para os ministérios esse não é um trabalho impossível.

 

Edição: Aécio Amado