Marcos Chagas
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Formada pelos estados de Alagoas, da Bahia, do Ceará, Maranhão, da Paraíba, de Pernambuco, do Piauí, Rio Grande do Norte e de Sergipe, a Região Nordeste ocupa uma área de 1.561.177 quilômetros quadrados e uma população de 47.693.253 habitantes (censo de 2000). Com exceção de Teresina, capital do Piauí, as demais capitais estão localizadas na faixa litorânea, o que atrai os investimentos em turismo. A região é rica em recursos minerais, com destaque para a produção de petróleo e o gás natural, produzidos na Bahia, em Sergipe e no Rio Grande do Norte. O Nordeste detém o maior número de patrimônios culturais da humanidade concedidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Entre eles estão as cidades de Olinda (PE), São Luís (MA) e o centro histório do Pelourinho, em Salvador (BA). A pobreza é um dos maiores problemas da região. Ela está localizada principalmente nos municípios do sertão. Com Marcelo Déda, de Sergipe, iniciamos as entrevistas com os governadores do Nordeste.
Com "um ano duro" pela frente devido aos cortes no Orçamento executados pela equipe de governo da presidenta Dilma Rousseff, que de certo afetará os cofres dos estados, o governador reeleito de Sergipe já escolheu suas prioridades. No início de seu mandato, Déda cortou 13% do orçamento do estado previsto para 2011, algo em torno de R$ 900 milhões.
Para o governador, a prioridade este ano é concluir as obras iniciadas em seu primeiro mandato e fazer um forte ajuste fiscal nos gastos de custeio para compensar as perdas financeiras. Ele descarta qualquer possibilidade de aumento ou criação de tributos para compensar a perda de caixa.
Na entrevista, Déda faz um balanço das medidas adotadas em seu primeiro governo e apresenta suas prioridades para os próximos quatro anos.
Agência Brasil – Como anda a implementação nesses primeiros 100 dias de governo das promessas feitas durante a campanha de 2010?
Marcelo Déda – Esses 100 dias, no meu caso, tem um gosto muito diferente porque eu sou um governador reeleito. Então, aquela pressão e expectativa que existem nos 100 primeiros dias de um novo governo não se aplicam quando se é reeleito. Mas nós planejamos esses 100 primeiros dias como de reorganização da administração para prepará-la às novas tarefas do segundo mandato. Estabelecemos uma nova forma de acompanhamento e gerenciamento das ações de saúde, com a participação direta do governador, e nós estamos cumprindo isso, em especial no processo de monitoramento das ações de saúde do estado em parceria com a prefeitura da capital, já que em Sergipe mais de 80% da saúde de média complexidade e, praticamente, 100% da alta complexidade estão instalados em Aracaju. Também estabelecemos a reforma administrativa, com o fim de adequar a administração aos novos desafios, e isso já foi aprovado pela Assembleia Legislativa. Também estamos implantando a nova estrutura de governo. Programamos, ainda nesses 100 dias, uma série de inaugurações de obras do primeiro ciclo de governo. Até a data em que completaremos 100 dias, o governo do estado vai entregar [à população] R$ 130 milhões em investimentos, uma média de R$ 1,3 milhão para cada dia desse novo período. Isso significa o nosso compromisso de consolidar o ciclo do primeiro mandato e deflagrar as novas intervenções no novo plano de investimentos do governo. Também estão em implantação novos programas, com o objetivo de aperfeiçoar as políticas públicas e fortalecer a nossa prioridade para o social.
ABr – Neste sentido, governador, Sergipe já é um estado com um dos melhores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do país. Ao mesmo tempo, convive com problemas crônicos no setor de saúde pública e educação, que estão aquém do esperado pela população. O que está sendo feito?
Déda – Nós fizemos, no primeiro governo, o trabalho mais completo e complexo dentre todos os 27 estados brasileiros em relação a uma reforma do Sistema Único de Saúde (SUS) naquilo que compete ao estado. Montamos o paradigma legal, encaminhando à Assembleia Legislativa projetos de leis que, aprovados, redefiniram o funcionamento dos entes que integram o SUS em Sergipe. Nós definimos a responsabilidade do estado, estabelecemos as responsabilidades dos municípios e precisamos, ali, as competências de cada ente para que a sociedade possa acompanhar e cobrar as responsabilidades de cada ente governamental. Também fizemos uma reforma no modelo de gestão, criando fundações de saúde pública. Temos hoje funcionando a Fundação Hospitalar, a fundação da área de laboratórios e exames e a fundação para a área de formação continuada. Quer dizer, aquela convocação que o governo federal fez, no início do segundo mandato do governo Lula, atendemos e realizamos. Ao lado disso, investimos mais de R$ 300 milhões na reconfiguração da rede física [de saúde] do estado, ampliando e reformando hospitais, construindo 102 centros de saúde da família das quais já entregamos a metade para ajudar e qualificar na melhoria da saúde básica, construímos dois novos hospitais regionais e investimos na modernização do Hospital Central do Estado. Fizemos o dever de casa, o estado investiu e se preparou para que pudesse realizar as alterações e as mudanças, tanto no paradigma legal como na prática cotidiana e na prestação dos serviços de saúde, para que fossem capazes de melhorar a oferta da qualidade da saúde pública.
A grande tarefa do segundo mandato é pôr para funcionar as mudanças institucionais e físicas que fizemos com investimentos na infraestrutura da saúde. Com isso funcionando, e com uma política consistente de saúde, nós teremos condições de cumprir um grande papel, embora precisemos de reforço e disponibilidade de recursos e, neste aspecto, é fundamental a aprovação [pelo Congresso Nacional] da Emenda 29, além de rediscutir a priorização da saúde na execução orçamentária do governo federal. No primeiro governo, nós implantamos plenamente a Emenda Constitucional 29 no que se refere aos gastos de Sergipe. Só gastamos os 12% [do orçamento estadual] com saúde, os aposentados não são pagos com recursos do setor. Esse dinheiro da saúde não é levado para saneamento, para comida de presos, como em alguns outros estados, mas efetivamente aplicado em ações de saúde.
Com relação à educação, estabelecemos como meta central do segundo governo a qualidade a partir de uma compreensão muito simples e muito clara: a escola tem que ter como foco o aluno. A princípio, a principal tarefa da escola é oferecer aos seus alunos a capacidade de aprendizagem, formando cidadãos conscientes, mas, também, brasileiros aptos a dar continuidade aos seus estudos na universidade ou a se inserir no mercado de trabalho. Deflagramos um processo que fará com que Sergipe, que não tinha nenhuma escola técnica quando eu entrei [no primeiro governo] e hoje tem duas em funcionamento, chegue a 2014 com 13 escolas profissionalizantes em operação, fortalecendo o ensino técnico, criando oportunidades de trabalho para a juventude.
ABr – Governador, como fazer tudo isso, que demanda muito dinheiro, quando o governo federal realiza cortes vultosos no Orçamento de 2011, com consequências para os estados?
Déda – Essa é uma preocupação de todos os governadores. Os cortes anunciados pelo governo federal nos obrigam a reanalisar a nossa própria execução orçamentária. Em Sergipe, no início do governo determinamos uma contenção de gastos equivalente a 13% do orçamento aprovado para 2011. Isso equivale a aproximadamente R$ 900 milhões contingenciados. A nossa perspectiva é que será um ano difícil e, nesse sentido, nosso esforço é reduzir despesas de custeio, controlar e qualificar o gasto público e preservar planos de investimentos. Mesmo assim, a nossa prioridade em 2011 será a conclusão de todos os empreendimentos iniciados no governado passado. Temos, ainda, vários empreendimentos que estão em fase de conclusão, que vamos estabelecer como tarefa principal de 2011, que será duro. Vamos deflagrar, a partir do segundo semestre, as licitações para a continuidade dos nossos projetos administrativos e para os novos projetos em elaboração para o segundo governo. Portanto, estamos com a tarefa de continuar planejando e nos preparando para que os problemas sejam superados ainda em 2011 a fim de que tenhamos, a partir de 2012, uma situação razoavelmente reenquadrada. Até porque, com todos os cenários que temos aí, o Brasil ainda aponta uma perspectiva de crescimento razoável, algo em torno de 4%. Se você considerar que a base sobre a qual se calcula esses 4% é o crescimento recorde em 2010, que ultrapassou os 7%, há a perspectiva de um crescimento sustentável. Nesse sentido, o estado está administrando suas expectativas com responsabilidade, preservando a saúde fiscal do governo e buscando encontrar formas que viabilizem a manutenção do nosso planejamento estratégico que prevê investimentos na área social, como prioridade, e na infraestrutura econômica para que possamos atravessar esse bom momento que vive o Nordeste e o Brasil.
ABr – Existem duas questões importantes que o senhor colocou: investimentos em infraestrutura, de uma maneira geral, e em turismo, setor em que o estado tem crescido nos últimos anos. O estado está preparado para atender o aumento do fluxo de turistas?
Déda – O estado tem trabalhado ao longo dos últimos quatro anos de forma planejada. Estão em andamento fortes investimentos na infraestrutura turística. Definimos três eixos de investimentos e dois deles praticamente cumprimos no primeiro governo. O primeiro, que foi a integração do litoral sul do estado à capital [Aracaju], quando fizemos obras de relevância como a Ponte Fernando Silgueira, que custou algo em torno de R$ 60 milhões, em parceria com o Ministério do Turismo. Construímos isso, e integramos o litoral sul à capital. A segunda etapa era integrar o litoral sul ao litoral norte da Bahia, viabilizando uma plena integração da Linha Verde, na Bahia, com a infraestrutura rodoviária do estado pelo litoral sergipano. Estamos construindo, neste momento, a maior ponte do Nordeste, que é a Gilberto Amado, um investimento no valor de R$ 110 milhões, que terá um vão de 1,7 quilômetro, e que viabilizará a aproximação mais intensa de turistas que utilizam automóveis e ônibus, que se deslocam ao nordeste da Bahia, e que poderão acessar o nosso estado. Além disso, vamos tirar o fluxo turístico da BR-101. Outro grande investimento foi a recuperação de 216 quilômetros de rodovias degradadas, ligando Aracaju ao segundo destino turístico do estado, que é a cidade de Canindé do São Francisco, onde está a Usina de Xingó, e o Cânion do São Francisco. O terceiro eixo, que faremos nesse segundo governo, é a integração do litoral norte, que faz divisa com Alagoas. Além disso, temos outros investimentos em vista junto com o Prodetur [Programa de Desenvolvimento do Turismo] em cidades do interior e para as obras no Aeroporto de Aracaju, com a ampliação da pista e uma nova estação de passageiros que somarão algo em torno de R$ 250 milhões. A perspectiva é criar condições estruturantes para que o turismo não seja apenas uma onda a partir de determinada situação, mas um crescimento sustentado.
ABr – Como estão os investimentos em segurança pública e nos presídios estaduais?
Déda – Somos o estado do Nordeste que mais investe relativamente, por habitante, em segurança pública. Esse investimento viabilizou a modernização da polícia, incorporando novas tecnologias de operação de controle e monitoramento da criminalidade. Nós investimos na modernização da frota, nos armamentos, no fortalecimento da inteligência, de modo a ganhar qualidade na ação policial. Ao lado disso, nós fizemos um dos maiores investimentos em recursos humanos com o objetivo de oferecer ao policial uma nova condição de trabalho e uma nova qualidade salarial. Hoje, somos o segundo estado com maior salário pago aos policiais militares atrás, apenas, do Distrito Federal. Além de termos uma política de remuneração da Polícia Civil, Corpo de Bombeiros e delegados, também, muito qualificada. Tudo isso cria as condições objetivas para que possamos melhorar cada vez mais a performance da nossa política de segurança. Temos obtido bons resultados em algumas áreas e precisamos melhorar em outras. Por exemplo, temos hoje um dos melhores índices de solução de crimes do Brasil. A nossa produção de inquéritos policiais e a nossa capacidade de elucidação têm sido uma das mais eficientes do país. Ao mesmo tempo, temos problemas no aumento da violência no caso de crimes mais graves como o de homicídio. Nós estamos muito distantes de estados vizinhos como a Bahia, Pernambuco e Alagoas, mas a nossa estatística é ascendente. Neste momento, trabalhamos e pesquisamos novas ferramentas com as experiências de Pernambuco para que possamos aplicar em Sergipe, com a meta de reduzir esses crimes que estão em níveis que consideramos elevados e que desejamos diminuir.
Quanto ao serviço prisional, Sergipe dobrou o número de vagas. Melhoramos a performance na construção de presídios mais modernos, estruturados para oferecer mais condições, que respeitem os direitos humanos e ofereça maior segurança. Nós inauguramos um presídio clássico na Grande Aracaju e um presídio feminino. Nós fechamos uma penitenciária que era, na verdade, uma masmorra, um calabouço da Idade Média, onde as condições eram indignas e abaixo de qualquer indicador de respeito aos direitos humanos. Estamos com mais um presídio em fase de licitação e duas casas de custódia a serem licitadas ao longo dos próximos dois anos.
ABr – Voltando à questão dos gastos públicos em 2011. Como o senhor mesmo reconheceu que não será um ano fácil do ponto de vista orçamentário. Existe a possibilidade de o governo estadual compensar eventuais perdas de arrecadação com aumento de impostos e tributos?
Déda – Faz dez anos que estou no Executivo. Fui duas vezes prefeito de Aracaju, e estou começando meu segundo mandato como governador. Ao longo dessa década, não criei novo tributo nem implantei qualquer majoração de taxas ou tributos. O nosso trabalho, ao contrário, tem sido de desonerar certos setores da produção, em especial as micro e pequenas empresas, que têm no estado de Sergipe um dos melhores ambientes, porque nós incorporamos integralmente o Estatuto da Micro e Pequena Empresa dando tratamento diferenciado e isentando de ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços] aquelas empresas que se enquadram neste conceito. A nossa luta é buscar resolver nossos problemas de caixa por uma atuação fiscal consequente, controlando gastos, reduzindo custeio, o que dá qualidade aos gastos públicos, e buscando melhorar a performance de arrecadação sem transferir mais peso da carga tributária ao estado. Até o momento estamos conseguindo, mas, objetivamente, não criei novos tributos e nem está nos nossos planos de imediato a criação deles.
Edição: Aécio Amado