Luciene Cruz
Repórter da Agência Brasil
Brasília - José Anchieta Júnior, 46 anos, é engenheiro civil formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Cearense de Jaguaribe, vive há 20 anos em Roraima, onde foi reeleito governador no ano passado. Em 2005, foi eleito vice-governador na chapa de Ottomar Pinto, que morreu em dezembro de 2007. Com isso, Anchieta Júnior assumiu o posto de governador.
Ao ser reeleito no ano passado, teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do estado, por uso da emissora oficial de rádio do estado para promoção pessoal. Por meio de liminar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), teve autorização para permanecer no cargo até que os recursos fossem analisados.
Como aguarda julgamento, o governador segue os planos e projetos que o reelegeram. Nos 100 dias do novo mandato, segue em “ritmo forte” para conseguir realizar melhorias no estado. Entre os programas estão obras de infraestrutura, como saneamento básico e energia. O projeto é audacioso, prevê saneamento básico e água potável em 100% da capital e a construção de uma hidrelétrica no estado. “Poderíamos abastecer Roraima e inserir a energia no sistema elétrico nacional. Deixaríamos de ser compradores de energia para ser vendedores”, disse.
O ajuste do Orçamento da União em RS 50 bilhões afetou diretamente Roraima que teve o segundo maior corte do país. Com R$ 185 milhões a menos nas receitas, José Anchieta fala das dificuldades de colocar as ações em prática. “Nossas demandas são infinitas enquanto os recursos são finitos. Quando o recurso é reduzido, o problema fica ainda maior”.
Agência Brasil - Qual o balanço que o senhor faz dos 100 dias de governo?
José Anchieta Júnior - Parte dos programas são ações continuadas, estou implementando coisas que comecei no mandato anterior. Estou dando prioridade à regularização fundiária, que visa a trazer segurança jurídica. Estão sendo regularizadas 18 mil ocupações, destas 11,5 mil são de agricultura familiar. Estamos em contato direto com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para que a situação seja resolvida rapidamente. Além disso, vamos dar continuidade ao Programa Luz para Todos, que vai beneficiar 9 mil famílias. Também estamos lançando a 3ª etapa das obras de abastecimento de água, que contemplarão Boa Vista com 100% de água potável e concluindo asfaltamento de 200 quilômetros de estradas vicinais [estradas usadas para escoamento de produtos agrícolas] para facilitar o escoamento da produção da agricultura familiar.
ABr - O que o senhor acha da reforma tributária?
Anchieta Júnior - Sabemos a importância, mas é uma equação complexa de se fechar. Já se fala no assunto há bastante tempo, mas não consegue fechar um consenso porque fere interesses de vários setores. É fundamental resolver essa questão já que a nossa carga tributária é uma das mais altas do mundo. Para um país em crescimento como o Brasil, traria uma vantagem enorme reduzir alguns tributos. A questão tem que ser discutida com firmeza. O Congresso Nacional tem que assinar e carregar ônus. Não tem como fazer omelete sem quebrar os ovos. Por isso é preciso mensurar o prejuízo e ver que a reforma traz maior benefício.
ABr - Como está a educação no seu estado?
Anchieta Júnior - Nós temos o segundo melhor índice do Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] da Região Norte. Quero ser o primeiro colocado até o fim do mandato. Temos dificuldade em função da adversidade do estado. Atualmente, existem 400 escolas públicas, destas 200 são destinadas à população indígena, o que causa grande dificuldade de frequência. O governo garante livros, farda [uniforme] e merenda escolar. Neste mandato, pretendo realizar a capacitação profissional de professores. Fazer capacitação intelectual. Tenho consciência que é preciso investir na educação.
ABr - Como é tratado o combate à desigualdade social em Roraima?
Anchieta Júnior - É uma grande missão também. Estamos trabalhando para mudar a matriz econômica, focando no incentivo ao setor produtivo, com programas de benefícios, tentando diminuir a desigualdade . Acho que estamos no caminho certo, já que temos 85 mil crianças nas escolas estaduais e 6% da população nos bancos universitários, entre instituições públicas e privadas. Existe desigualdade no estado de Roraima, mas não é tão acentuada como em outros estados. Conseguimos levar à população saúde, educação e segurança.
ABr - E a segurança?
Anchieta Júnior - Temos investido muito na qualificação de policiais por meio da Academia de Polícia Integrada. Fizemos vários investimentos em equipamentos, que incluiu compra de novas viaturas, armamento e munições. Como fazemos fronteiras com dois países [Roraima é o estado brasileiro mais ao Norte, e faz fronteira com a República Cooperativista da Guiana, a leste, e com a Venezuela, a norte e a oeste] e divisa com os estados do Amazonas e Pará, temos o desafio de ter o domínio dessas fronteiras. Por isso, trabalhamos a quatro mãos com a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) para evitar um corredor do tráfico de drogas em nosso estado. Trabalhamos para evitar que drogas, que possam vir da Colômbia, passem por Roraima e sigam para o resto do mundo. É um desafio constante cuidar da fronteira. Mas, tirando isso, o estado é pequeno, com uma população pequena e tem a segurança sob controle. É uma cidade pacata.
ABr - Como está a saúde pública?
Anchieta Júnior - O problema de saúde pública ocorre em todo o país. Em Roraima, temos o ônus de ter a responsabilidade com toda a saúde, de média e alta complexidade, além da demanda de baixa complexidade das prefeituras. Praticamente, cuidamos de toda a saúde municipal, estadual e privada. Por conta da nossa melhor estrutura, todos os casos mais complexos são remanejados para a rede pública. Atendemos também pacientes de duas fronteiras internacionais, que são os venezuelanos e os guianenses, e nós não somos ressarcidos pelo SUS [Sistema Único de Saúde] por esse custo. Também temos tratamento fora de domicílio (TFD), enviamos pacientes para capitais como Brasília, São Paulo e Manaus, onde temos representação, quando a nossa equipe médica avalia não termos tratamento específico. Estamos ampliando o trabalho de oncologia, queremos levar o Inca [Instituto Nacional da Câncer] para Roraima.
ABr - Mas do jeito que o senhor falou, onde está o problema de saúde no estado?
Anchieta Júnior - Não temos como dizer que a saúde não sofre problemas. Hoje temos déficit do número de leitos no estado. Também precisamos modernizar a gestão de saúde com maior controle de abastecimento da rede. Precisamos ampliar a estrutura física. Também temos carência de especialistas em áreas como cardiologia, nefrologia e neurologia, por exemplo. Por falta de gestão, existe um acúmulo de atividades e obrigações que não estão sendo divididas com as prefeituras. Temos 15 municípios, e arcamos com a despesa em saúde de todos. A ideia é aparelhar o estado com equipamentos mais modernos, para conseguirmos atrair profissionais do Brasil que queiram trabalhar no estado. Temos muito a melhorar na saúde do estado.
ABr - O que está sendo para melhorar a infraestrutura do estado?
Anchieta Júnior - A nossa meta é recuperar todas as rodovias federais, as BR-174 e BR-210. Nos próximos anos, quero asfaltar todas as rodovias. Dos cerca de 3 mil quilômetros de malha rodoviária, restam 1,5 mil quilômetros para receber asfaltamento. Acho que é possível. Além disso, estamos finalizando o asfaltamento de 200 quilômetros de estradas vicinais.
No setor de energia, vamos levar luz para 9 mil famílias, dentro do Programa Luz para Todos. Também estamos em discussão com o Ministério de Minas e Energia para resolver os problemas de geração de energia. Hoje o estado é abastecido por energia de uma hidrelétrica venezuelana. Ano passado teve racionamento. Hoje, Roraima não é ligada ao sistema elétrico nacional, discutimos, paralelamente a construção de hidrelétrica no estado, que poderia abastecer Roraima e inseri-la no sistema nacional. Em vez de compradores, seriamos vendedores de energia.
Hoje, Boa Vista é uma capital que tem 100% de água potável. Do total da população da capital, 52% são atendidos por esgotamento sanitário. Quando eu entregar o governo, quero que 100% da cidade tenha tratamento de água e esgoto. Os esforços, em um primeiro momento, são concentrados em Boa Vista, que tem 70% da população do estado. Mas posso estender para os demais municípios, assim que possível.
Também temos um programa de habitação que pretende reduzir o déficit habitacional em 50% nos próximos três anos e meio de governo, que atualmente é de 20 mil casas. Se eu conseguir resolver o problema de dez mil casas já é um avanço.
ABr - Como o senhor reagiu ao corte do orçamento de R$ 185,5 milhões de Roraima?
Anchieta Júnior - Nossas demandas são infinitas, enquanto os recursos são finitos. Quando o recurso é reduzido, o problema fica ainda maior. É um complicador, mas vou tentar renegociar para que Roraima não seja tão afetado.
ABr - Quais projetos serão mais atingidos?
Anchieta Júnior - Com esse corte, as obras de infraestrutura são as mais atingidas já que o custeio da máquina é fixo. Mas ainda não definimos o reajuste do orçamento por setor.
ABr - O senhor acredita que por pertencer a um partido de oposição isso influenciou no valor do corte, já que seu estado teve o segundo maior valor?
Anchieta Júnior - Acho no mínimo coincidência. Mas como quero reverter esse quadro, se eu começar dizer que é retaliação pelo partido ser opositor, não vou poder reaver esse dinheiro. Não quero me complicar.
Edição: Aécio Amado