Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – A perda do acervo do Instituto Butantan, que reunia milhares de espécies de cobras e aranhas, pode ser atribuída a um descaso do Poder Público com relação à ciência. A avaliação é do diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), Hussam Zaher. “A ciência foi deixada de lado”, criticou hoje (17), por telefone.
Segundo ele, o Prédio das Coleções do Instituto Butantan, que abrigava o acervo e foi praticamente destruído pelo incêndio ocorrido no último sábado (15), não tinha um sistema adequado de combate ao fogo – apesar das coleções científicas serem guardadas em álcool. Além disso, funcionava num galpão, tipo de construção inadequada para o acervo que guardava.
“A coleção era muito bem curada. Existe, no Instituto Butantan, uma tradição de 100 anos de curadoria de coleção. Os curadores e as pessoas responsáveis pela manutenção da coleção faziam um trabalho excepcional. O que faltou aí foi gestão do Poder Público, entender a real dimensão da importância daquilo que ele tinha e colocar à disposição os recursos necessários para proteger esse patrimônio”, afirmou Zaher, à Agência Brasil.
Zaher teme que o mesmo possa ocorrer no museu que dirige, na USP. “Espero que isso sirva de lição. Sou diretor de um museu que é o maior do Brasil e o maior da América Latina. No Museu de Zoologia, temos 10 milhões de exemplares preservados. Para se ter uma idéia, o Butantan perdeu 535 mil exemplares entre aranhas, cobras e escorpiões. Se esse museu queimar, não sei o que dizer”, lamentou. “Há anos estamos pedindo um prédio novo. Estamos esgotados. Não há mais espaço. Há anos clamamos por condições melhores. Estamos em condições precárias”, queixou-se.
A perda do material do Butantan, segundo Zaher, não foi financeiro, mas científico. “O prejuízo foi do conhecimento, da perda de um patrimônio científico inestimável. Isso é uma perda que não se recupera mais. Não temos como recuperar esse acervo que foi construído ao longo de 100 anos de pesquisa, em muitas áreas que não existem mais. Durante esse período, exemplares foram coletados em regiões que, agora, são estacionamentos, cidades, fazendas ou que foram totalmente destruídas. Essa história não pode ser refeita”, explicou.
O prejuízo com a perda do acervo para a sociedade, segundo Zaher, pode ser comparado à perda de uma Copa do Mundo. “Nós nos embrutecemos um pouco mais. O Brasil como um todo. Qual é a perda para o Brasil quando o time de futebol não ganha a Copa do Mundo? Ninguém morre de fome. Talvez uma pessoa se suicide, mas é difícil. Mas o impacto emocional é imenso. A perda científica que tivemos tem um impacto emocional e intelectual imenso. De alguma forma, mostramos que não fomos capazes de preservar nosso próprio patrimônio.”
Edição: Lana Cristina