Retiro dos Artistas: emoções jamais esquecidas em 91 anos de história

20/09/2009 - 16h32

Luiz Augusto Gollo
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - Se a emoção pudesse sermedida em tempo, quantas décadas caberiam no Retiro dosArtistas do Rio de Janeiro? Para o presidente da instituição, o ator e vereadorStepan Nercessian, “um século, dez séculos de emoçãopercorrem, andam por ali, uma emoção sempre viva”.Aos 91anos de existência, o Retiro dos Artistas, ou a casa,como a ele se referem moradores e funcionários, abriga 52 artistas entre 70 e 94 anos de idade. São atores, atrizes,cenógrafos, figurinistas, coreógrafos, contrarregras,enfim, gente que fez história no rádio, na TV,no cinema, no teatro, inclusive nos circos mambembes.É ocaso do anão Coracy da Silva, o palhaço Tusca, de 74anos, há 15 no retiro. Mesmo com mal de Parkinson e certadificuldade para falar, continua ativo, com apresentaçõesem festas de aniversário e animação em porta delojas comerciais. Dono de um humor ferino, faz piada à toa econquista o público desde que entrou para a vida circense, em1950.“Ascrianças sempre gostaram muito de mim, tanto que acabeicausando ciúme no Carequinha, no programa dele na TV Tupi. Umdia, eu estava no camarim limpando a maquiagem e ele me disse: Dapróxima vez que você for mais animado que eu noprograma, está demitido.”Tusca dárisada ao lembrar, porque naquela mesma semana já estavaconvidado para estrelar sozinho um programa infantil na mesma TVTupi. E com o mesmo humor, conta que foi para a casa por nãoquerer, mas para morar com a irmã.O Retirodos Artistas foi fundado em agosto de 1918, por iniciativa do atorLeopoldo Fróes, sensibilizado com o grande número decolegas, atrizes e artistas estrangeiros fugidos da Europa, durante a Primeira Guerra Mundial e abandonados por seus empresáriosquando a paz voltou, exatamente naquele ano.“O Riotinha mais de 50 teatros, era a capital do Brasil e também acapital cultural, mas não havia espaço para todos nospalcos e picadeiros. Leopoldo Fróes procurou Irineu Marinho,dono do jornal A Noite, e numa campanha que fizeram conseguiram adoação do terreno que era do dono da Casa Edison, ondeeram gravados os discos na época e assim surgiu a casa”,resume o diretor social do retiro Hênio Lousa, de 65 anos.Colaboradorvoluntário nas comemorações do cinquentenário,em agosto de 1968, ele nunca mais saiu. Foi contador e depoisdiretor. Conhece todos os cantos do amplo terreno onde está oantigo casarão “com cara de asilo”, como ele diz, asvárias construções, inclusive mais de 40 casasque os moradores ocupam como se fossem deles até a morte.Alguns moram no ambulatório, à espera de vaga.ClaireDigonn, de 71 anos, é uma dos moradores que não deixamo Retiro dos Artistas sequer dar a ideia de asilo. Ativa, estácadastrada na TV Globo e tem participações periódicasem novelas, séries e programas semanais:“Comeceiem 1953, era um dos curumins da Tupi”, lembra rindo do grupo deadolescentes que encarnavam o símbolo da emissora, umindiozinho. “Estou na casa há três anos e quatro mesese não tenho do que reclamar. Trabalhei em Paraíso,Caminho das Índias, Caras e Bocas, tenho 36 direitos conexosna Globo”, conta, em referência ao direito de imagem sobre anegociação de qualquer trabalho seu na emissora.TantoClaire quanto Isa Rodrigues, de 82 anos, são exemplos de queas famílias não eram tão preconceituosas com omundo artístico como se diz e se escreve. Uma começoucom 15 anos de idade e a outra ainda criança, aos 8, em1937, no Teatro Recreio:“Eu eraa Shirley Temple brasileira”, Isa diz, numa gargalhada. Trabalhouem várias revistas de sucesso, como papel principal, no tempodo Estado Novo de Getúlio Vargas, quando o chamado teatro derevista viveu o auge da popularidade, inclusive nos cassinos.Arealidade, entretanto, se impõe, implacável, como bemsabe Hênio Lousa. “A casa custa entre R$ 75 e R$ 80 mil pormês e vive basicamente de doações de artistas emplena atividade, e também de captação peloserviço terceirizado de telemarketing, do aluguel do teatroIracema de Alencar e do brechó instalado no primeiro andar doantigo casarão.”Ainda háos cursos de teatro para a comunidade e atividades orientadas para aterceira idade, mas é a festa junina que o Retiro dos Artistaspromove há 62 anos o ponto alto do calendário anual.“Ela nos garante sustento por uns quatro meses”, diz Hênio.“Muitos artistas montam barracas, fazem apresentaçõesgrátis e chegamos a receber em média 6 milvisitantes em cada um dos quatro dias de festa.”Àmargem de todas as atividades, a diretoria do Retiro dos Artistasluta para negociar a dívida da entidade com a Previdência,referente a contribuições atrasadas e que impede a casade contratar empréstimos, além de outras operaçõesfinanceiras. O presidente Stepan Nercessian resume:“Esse éo nosso problema seriíssimo, porque a dívida com o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social]é antiga e grande, e enquanto não conseguirmos sanareste problema não podemos arranjar dinheiro com o governofederal nem com o estadual e nem com o municipal. Estamos negociandoe vamos resolver isso”.