Luiz Augusto Gollo
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - Uma ausência em especial foi percebida pela maioria dos presentes nafesta do anúncio do projeto arquitetônico vencedor do concurso para aconstrução do novo Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio de Janeiro, na última segunda-feira(10).Entre dezenas de convidados ilustres, não compareceu Ricardo Cravo Albin,responsável pelo MIS por 18 anos e construtor da engenharia política quegarantiu a sobrevivência da memória da mais autêntica cultura popularbrasileira, durante o pior período da ditadura militar.“Nãoquero entrar numa discussão sem sentido. Muita gente tem me ligado paraperguntar e falar bem e mal, mas eu não vou falar mal do meu filho [o museu]”,diz, diplomático, entre goles de café depois do almoço. “As pessoas não têm que se atrelar a outraspessoas, mas, sim, a ideias, isso é o que interessa: a manutenção daessência do museu."O MIS do Rio de Janeiro,pioneiro no país, foi fundado em 1965 pelo governador do estado daGuanabara, Carlos Lacerda, e, em alguns meses, passou às mãos de CravoAlbin, “não fundador, mas estruturador do MIS”, como se considera. “Hoje me orgulho de ter fundado18 museus da imagem e do som pelo Brasil afora. O primeiro foi o de SãoPaulo, entregue a Rudá de Andrade [filho de Oswald de Andrade] e que,hoje, é um dos principais do país”, relata Cravo Albin, advogado por formação, mas que não exerce a profissão, e também jornalista, que se dedicou ao registro do passado e não dopresente. Cravo Albin disse estranhar a maneira como vem se dando aevolução do MIS carioca e não esconde que a mudança não lhe agrada. “Copacabana nãoprecisa de museu, de movimento. Já é muito movimentada. Além disso, onovo museu vai destoar de toda a arquitetura da Avenida Atlântica”,comenta.Ele critica o concurso promovido para a nova sede do MIS. “Na terra deNiemeyer, promove-se um concurso internacional e vence um escritórioamericano! Isto para não falar que já existe um projeto, do arquitetoGlauco Campello, para a construção do prédio anexo do MIS, ao lado dasede na Praça XV”.A sede é um prédio histórico, construído paraabrigar a exposição comemorativa do centenário da independência, em1922. No livro Rastros de Memória, em que conta a história do museu,Cravo Albin incluiu a foto da maquete baseada no projeto deCampello.“O natural seria construir o anexo ao prédiohistórico”, adverte. “Inclusive, fico muito preocupado com o destinoque se dará ao prédio do Pavilhão de Exposições. Espero que sejapreservada sua importância histórica e cultural”.O memorialistalembra que, ao assumir o MIS, ele era um museu sem dinheiro e quase semacervo, numa época em que o país começava a sofrer a asfixia política ecultural da ditadura militar. Era preciso muito engenho e arte paralevar adiante o projeto. “As pessoas chegavam para mimperguntando por que fazer um museu do cinema”. “Eu explicavaque era um museu para a imagem e o som, mas não havia nada parecido noBrasil, nem no mundo”, completa.Assim, Cravo Albin inventou a sérieDepoimentos para a Posteridade, aberta com o depoimento de João da Baiana, derepercussão imediata na grande imprensa. Para determinar quem deveriagravar sua história, criou vários conselhos, cada um com 30 a 40membros escolhidos entre artistas, estudiosos, jornalistas,professores, músicos. Além de indicar as personalidades, osconselheiros davam aulas no próprio museu para turmas abertas aosinteressados, nos temas dos cursos, de música erudita a esportes,passando por literatura, cinema, teatros, artes plásticas e cinema.“Cobrava-sebarato, o museu ficava com 80% e o professor com 20%, mas mesmo assimnão havia dinheiro nem para as fitas de gravação. Em nome do MIS, eupedia as gravações da Aliança para o Progresso, apagava as fitas egravava os depoimentos”, ele revela, citando Elizeth Cardoso, Jacob doBandolim, entre tantos que gravaram suas vozes e histórias para aposteridade, em fitas originais do programa norte-americano depropaganda ideológica.No governo do general Ernesto Geisel, Cravo Albinchegou a desviar material da representação da Sunab no Rio (Superintendência Nacional de Abastecimento), ondetrabalhava como assessor de imprensa, e, por isso, quase foi preso. “Fuipessoalmente ao general João Batista Figueiredo, chefe do SNI [Serviço Nacional de Informação], eexpliquei que desviava papel higiênico, lápis, coisas de escritório,para ajudar o museu. Ele me ouviu e disse: ‘Pode ficar tranquilo que euconheço bandido há muito tempo. Você não está roubando, é um carahonesto’. E eu escapei do inquérito e da cadeia”, conta.Com o tempo,ele criou o Golfinho de Ouro, para destaques na vida cultural, e oEstácio de Sá, para os mecenas da área, dois prêmios anuais entreguespelo governador em solenidades que mereciam cobertura de toda aimprensa.Pelo que fez não só no Rio, mas nos 18 estados ondedisseminou os museus da imagem e do som, Cravo Albin esperavaser ouvido agora, sobretudo porque considera-se amigo de Sérgio Cabral eaté mesmo se sente pai do governador - “que eu peguei no colo, veja você” - e também porquesua consultoria é solicitada até no exterior, como no futuro MIS deAngola, projeto da construtora Odebrecht. “Mas não vouapequenar a questão. O importante mesmo é que o museu será enriquecidocom novas tecnologias e mais espaço”, finaliza.