Exército tem que mostrar relatos oficiais sobre o Araguaia, diz membro de comissão

24/06/2009 - 14h50

Luciana Lima
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A falta dos relatosoficiais do Exército sobre a Guerrilha do Araguaia faz com que sejaimpossível “contar a história” da repressão à guerrilha quese travou no interior do Brasil nos anos mais duros do períododitatorial. A queixa é de Augustino Veit, membro da ComissãoEspecial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada em 1995, como objetivo de buscar esclarecer o que ocorreu com cada ativistapolítico perseguido pelo regime ditatorial.“O Exército tem quedar conta dos relatórios que foram produzidos. Se tem uma coisa queé milenar nas organizações militares é o formalismo. Nada se fazsem que seja registrado. Esses relatos existem e devem se tornarpúblicos. Se sumiram, se foram queimados, o Exército tem aobrigação de apurar os responsáveis por isso”, considera.Veit lamenta ainda aforma de acesso aos documentos que foram transferidos, pordeterminação do governo, para o Arquivo Nacional. Segundo ele, aproibição de acesso às informações sobre terceiros acaba porimpedir a identificação de todas as pessoas que lutaram e foramvítimas da repressão no Araguaia. Estão no Arquivo Nacionaldocumentos da época produzidos pela Agência Brasileira deInteligência (Abin), que inclui os relatórios do antigo SistemaNacional de Informação (SNI). Essa documentação, referente aoperíodo de 1964 a 1982, está disponível para consulta. Noentanto, cada pessoa só pode obter informações sobre ela própria.“A transferênciapara o Arquivo Nacional deu a impressão de que a abertura foi feita.Mas isso não é verdade. Eu posso requerer informações a meurespeito. Você pode adquirir informações a seu respeito. Agora eunão posso ter acesso à história daqueles que desapareceram noAraguaia. Tenho um direito violado quando me é vedado acesso a umadocumentação que deveria estar aberta a todos os cidadãosbrasileiros. Todo e qualquer historiador, jornalista e qualquercidadão brasileiro que queira pesquisar o que ocorreu deveria teracesso aos documentos na íntegra”, ressaltou.Ao fornecer osdocumentos solicitados, os nomes de terceiros são cobertos por umatarja preta. “Assim fica difícil para identificar quantos passarampelo Araguaia, quem passou pelo Araguaia, quem ficou lá, quem foimorto, torturado”, reclamou Veit.“Ainda há muitaobscuridade. Enquanto o governo não tomar a decisão política deefetivamente mandar abrir todos os arquivos que existem, seja dentrodo Exército, seja nos órgãos de informações, a históriaverdadeira não será contada. Eventualmente, a história do Araguaiavirá à tona, quando alguém por interesse pessoal resolve divulgar oque tem, como é o caso do Curió [Sebastião Curió Rodrigues de Moura, oficial da reserva querecentemente repassou ao jornal O Estado de S. Pauloregistros pessoais sobre a guerrilha]. Essa documentação está emmãos indevidas. Essa documentação deveria estar no ArquivoPúblico, aberta a todos nós, brasileiros, e especialmente àspessoas que têm familiares desaparecidos na Guerrilha do Araguaia.Enquanto isso não acontecer, estaremos vivendo na obscuridade”,considerou.Em maio desse ano, nove livros com atas dereuniões do extinto Conselho de Segurança Nacional (CSN), de 1935 a1988, foram também transferidos para o Arquivo Nacional. Das trêsmil páginas, 416 trechos foram tarjados na versão digital conformerecomendação da comissão responsável pelo acervo. Oministro-chefe do GSI, Jorge Armando Félix, justificou que a maiorparte das expressões tarjadas são “jocosas” em relação apessoas, instituições e países e poderiam provocarconstrangimentos ou incidentes diplomáticos desnecessários. Aooficializar a remessa dos documentos, Félix considerou que não faziasentido a liberação na íntegra e alegou que a medida tem aintenção de “proteger o país”.Advogado, atuante naComissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Veit já foipresidente da Comissão Especial Sobre Mortos e DesaparecidosPolíticos. Ele critica o tratamento dado à questão e aalegação de Félix. “Isso não faz sentido diante da dor detantas famílias que não tiveram a oportunidade de enterrar seusmortos”, destacou.Veit ressaltou que semabertura total dos arquivos será uma “farsa” a operaçãocapitaneada pelo Ministério da Defesa com o objetivo de localizar eidentificar ossadas, restos mortais ou algum registro de combatentese camponeses mortos na guerrilha. “Sem a abertura dessadocumentação, a operação que está sendo levada a efeito peloMinistério da Defesa também vai se constituir em uma farsa. Sem aabertura dessa documentação não se chegará à verdade real maispróxima. Não dá para trabalhar somente com depoimentos. É precisoanalisar os documentos, os mapas, as estratégias traçadas na épocada guerrilha. Sem isso, não vamos chegar à versão oficial do queocorreu”, afirmou.