Em Brasília, crack ganhou espaço e seduziu usuários de famílias da classe média

11/03/2009 - 9h57

Marco Antonio Soalheiro*
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Pormuito tempo, a imagem do crack esteve associada a moradores de rua eusuários de baixa renda. Mas há indícios de queo consumo da droga ganha espaço progressivamente nas classesde renda maior. Em clínicas e grupos terapêuticos deBrasília, representantes da classe média que serenderam ao crack não são mais raridade.Famíliasde áreas nobres da cidade experimentam os trágicosefeitos da droga. Carla, 30 anos, mora com a tia em uma áreacentral de Brasília e começou a usar droga aos 12 anosAos 28, veio a experiência com o crack: ela fugiu de umaclínica em São Paulo e comprou 20 pedras na cidade deSuzano.Comdois filhos, um de 11 anos e outro de 8, Carla tenta hoje serecuperar do vício: “O crack está na classe médiae tem muita mulher usando. Está começando mais cedo.Hoje você encontra meninas de 14, 15 anos, já no fundodo poço", conta Carla. "Há três anos,Brasília estava começando a abrir para o crack. Vocêia na boca e não encontrava pedra.""Brasíliaestá virando uma segunda São Paulo. Você encontradroga em qualquer esquina. Nunca vi aqui em Brasília tantocrack como agora em 2009", observa o ex-usuário Maurício,31 anos.

Parasaciar o desejo de consumir crack, Carla caiu na criminalidade. "Vocêcomeça a fazer coisas que fogem de todos os princípios.Não cheguei a me prostituir, mas cheguei a roubar. Eutrabalhava mas meu dinheiro não dava."Jéssica,22 anos, moradora de uma área central de Brasília,experimentou o crack por influência de uma amiga. "Oconsumo de crack está crescendo em Brasília. Antes nãose ouvia falar de crack. Os traficantes da 109 sul [quadracomercial e residencial da cidade] vendiam só maconha,cocaína e, às vezes, merla. Agora vendem e usam crack.”Apósseis internações, Jéssica se diz disposta areescrever sua história. Ela tem consciência de que asperdas não foram poucas com a experiência. "Deixeide estudar, de me formar, perdi um emprego no Ministério daAgricultura, bati carro várias vezes. O efeito [do crack]dura menos, e a fissura é maior. Acaba de fumar, dá unsdois minutos, e você fica desesperado querendo mais. Meenvolvia com assaltante, traficante, prostituta."GP,33 anos, é ex-usuário de drogas e tem origem numafamília rica. Ele estima ter gasto mais de R$ 300 mil porcausa do vício, especialmente após passar a consumircrack. Perdeu carro, foi roubado e garante que o crack não émais droga de pobre. "Hoje estou vendo playboy chegar deBMW para comprar pedra e depois terminar na rua doidão. Jávi gente vender até a porta de casa." Dadospoliciais confirmam que o crack avança no Distrito Federal emsubstituição à merla. Somente no ano passado, aPolícia Civil apreendeu mais de 4 quilos de crack,suficientes para mais de 10 mil porções de consumo.

"Ocrack é mais fácil de portar. São pequenaspedras comercializadas. A merla é colocada em latas, édifícil para esconder. Em uma caixa de fósforos, épossível guardar cerca de 50 porções de crack. Amerla é volátil, em poucos dias dissolve, enquanto ocrack dura vários dias em condição de serconsumido", explica o chefe da Coordenação deRepressão às Drogas da Polícia Civil do DistritoFederal, delegado João Emílio de Oliveira.Alémde o crack ser uma droga mais agressiva na geração dedependência, a Polícia Civil do DF acredita que aausência de punições rígidas para usuáriosfaz o consumo crescer entre a classe média. "A leitornou-se muito branda em relação ao usuário eele está pouco ligando quando é preso portando drogapara consumo pessoal. Ele vem à delegacia, passa aqui meiahora, assina um termo de comparecimento ao Juizado Especial, mas nãoliga", afirma Oliveira.Moradorada Vila Planalto (próximo ao Palácio do Planalto),Márcia, 58 anos, mãe de um usuário de crack emtratamento, sentiu em casa a transformação do filho."Ele era um cara limpo, arrumado, mas passou a ser um cara quenão se importava com nada. Parecia sempre deprimido. Cheque,bolsa e dinheiro não podia deixar em qualquer lugar. Elesvasculham tudo numa rapidez que ninguém entende."