Agente comunitária guarda memórias afro-brasileiras na periferia do Rio

18/11/2008 - 15h43

Isabela Vieira
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - É preciso andar por ruas esburacadas, por vias sem asfalto e enfrentar esgoto a céu aberto para chegar à casa da agente comunitária Regina das Graças Ribeiro, 55 anos. Em Jardim Catarina, periferia de São Gonçalo, região metropolitana do Rio, ela guarda "um tesouro sobre os negros do país", como ela própria define.Em um pequeno cômodo, sem reboco ou pintura, construído em frente ao portão de casa, Regina reúne mais de 500 títulos, entre livros, artigos de jornal e revistas. As publicações tratam da vida de personalidades negras brasileiras, como o músico Altay Veloso – natural de São Gonçalo -, da história dos afro-descendentes no país e de direitos humanos. “Por onde vou, trago uma coisa”, conta Regina.Na comunidade, ficou conhecida por ir, a pé, às escolas levando livros em sacolas durante seis anos. “Eu era uma biblioteca itinerante. Levava os livros para as crianças saberem sobre nossa história”, disse. Embora a procura por parte dos alunos tenha se tornado constante, com o avanço da idade, a sacola pesou mais do que ela podia carregar. Regina passou a receber os estudantes em casa e depois no cômodo construído para acomodar o material.“Quando as professoras falam em cultura negra, eles [alunos] só pensam em mim”, disse. “Vêm muito aqui, principalmente em datas históricas. Antes, recebia todo mundo em casa mesmo, mas não era bom. Têm dias que está o marido, a casa não está arrumada... Aqui é melhor, até para controlar a saída dos livros, fazer as anotações... Para não sumir”.Como boa gardiã da história, além de cuidar da pequena biblioteca, Regina também procura manter viva a memória do bairro, que segundo conta, já foi reduto de jongo - uma dança afro-brasileira. Ela ensina a modalidade em uma escola estadual e a grupos de amigas. “Aprendi a dançar com meu pai, quando era pequena. Mas também procurei uma senhora de 90 anos daqui para saber mais”.A agente comunitária conta que ensinar o jongo não é fácil. Não pelo rebolado ou pela marcação, mas pelo preconceito. Os pais das crianças, muitos de igrejas neopentecostais, “não podem ouvir um tambor que dizem que é coisa do diabo”, afirmou. Para ela, trabalhar com as senhoras católicas, da igreja que freqüenta, às vezes é mais fácil.A idéia de Regina das Graças é transformar as aulas de jongo em um projeto de cultura negra como o do Morro da Serrinha, em Madureira, subúrbio da capital fluminense, onde a dança é tida como patrimônio histórico. O quartinho com livros, quer transfomar em um ponto de cultura, mas ainda não sabe como. Cobra apoio do governo. “Todo mundo gosta, mas difícil é ajudar”.