Mais polêmica em audiência na Câmara para discutir descriminalização do aborto

03/07/2008 - 20h47

Morillo Carvalho
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Depois de uma polêmica audiência ontem (2), outra audiência para debater o Projeto de Lei 1.135/08, que descriminaliza o aborto no Brasil, foi realizada hoje (3), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara. E, outra vez, o debate foi marcado por controvérsias. Resultados práticos só devem aparecer na semana que vem, quando o parecer do relator, contrário à mudança, deve ser votado.A mesa reuniu três representantes pró e três contra o projeto. Entre os favoráveis, Maria José Rosário Nunes, da organização Católicas pelo Direito de Decidir, e, do lado contrário, a ex-senadora Heloísa Helena. A audiência durou mais de quatro horas e também contou com a presença de militantes que colaboraram para aquecer o debate.Maria José defendeu que “se é verdade que o aborto é abominável, mais ainda é a punição para a mulher que o pratica”. Também católica, só que do lado contrário da bancada, a professora de microbiologia Lenise Garcia rebateu dizendo que “a punição é a forma que a legislação encontrou de coibir os atos infracionais ou os crimes”, e completou falando que “quando a mulher aborta, o Código do Direito Canônico a descomunga da Igreja”.Para o juiz de direito Roberto Arraiada Loréa, favorável ao projeto, o argumento não pode ser considerado porque o Código Canônico não pode prevalecer num estado laico, e sim, a Constituição Federal. Ele aproveitou para criticar a ausência de líderes de outras religiões que não sejam cristãs, pois a Constituição assegura a liberdade e autonomia religiosas.Loréa colocou na internet uma resposta ao parecer do relator do projeto de lei, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que antecipou seu voto, ontem, dizendo ser contrário ao projeto. O juiz classificou o parecer do relator como “imprestável juridicamente”. Cunha respondeu que “não debateria o conteúdo do parecer com os convidados, mas com os parlamentares, no momento da votação do PL”.Já a professora Débora Diniz Rodrigues, representante do Instituto de Bioética, Direito Humano e Gênero, concentrou sua argumentação em uma pesquisa sobre aborto. Realizada nos últimos 20 anos, ela concluiu que as mulheres que abortam têm, em média, de 20 a 29 anos, o fazem na primeira gravidez, e a maioria é católica – seguida das espíritas. As duas religiões condenam a prática.De acordo com os dados, uma mulher em cada 15 brasileiras já abortou, totalizando 3,7 milhões. A maioria começa o procedimento em casa – o mais comum é que as mulheres façam uso do medicamento abortivo Citotec, que tem venda proibida no Brasil – e termina sendo internada no Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo Débora, todos os estudos apontam que “quando a mulher decide abortar, o decide como ato de responsabilidade produtiva”.Última a debater, Heloísa Helena admitiu que as estatísticas são altas, mas defendeu que o projeto não pode levar apenas os números em consideração. “Se fosse assim, teríamos que regulamentar a ocupação de menor aprendiz para aqueles meninos que são aliciados pelo tráfico de drogas. Eles também são muitos e, nem por isso, devemos fazer isso”, argumentou.Ela completou que também defende a autonomia da mulher sobre o próprio corpo, “se quiser ser perua ou punk, ou mesmo, se quiser se encher de plásticas, isso é decidir sobre o que faz com seu corpo”, o que não lhes dá o direito de decidir sobre o corpo do outro – no caso, o feto – que “está ligado ao corpo dela apenas por uma circunstância”.