É "chavão" chamar a juventude de alienada, diz secretário

27/04/2008 - 11h06

Amanda Cieglinski
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Dar visibilidade àtemática dos jovens para que o segmento seja devidamenteatendido pelas políticas púbicas elaboradas nas trêsesferas de governo. Essa será uma das conseqüênciasda 1ª Conferência Nacional de Juventude, evento que começahoje à tarde, em Brasília, com a participação de 2 mil jovens. A análise é dosecretário Nacional de Juventude, Beto Cury, que estáno comando da pasta desde sua criação em 2005. Nesta entrevista, àAgência Brasil, Cury lembra que, se por um lado, o Brasilfigura, junto com Honduras, como um dos últimos países daAmérica Latina a implementar uma política de juventude,é também o único a ter uma esfera de discussãosobre a realidade do segmento, o Conselho Nacional da Juventude. Osecretário rechaça a tese de que o jovem éalienado. “Hoje, temos um mosaico plural de organizaçõesjuvenis que têm uma militância social, mas não,necessariamente, político-partidária.”AgênciaBrasil: Com a criaçãoe implementação de uma política públicapara a juventude, qual é a importância da conferência?Beto Cury: Aparticipação é uma das cinco dimensõesimportantes da política da juventude. Nós játínhamos um mecanismo importante que era o Conselho Nacionalda Juventude e, agora, temos a conferência, que é aprimeira de outras que virão. Nós fizemos um processoque começou em outubro do ano passado, envolveu milmunicípios, os 26 estados e o Distrito Federal. E ainda realizamos 800 conferênciaslivres com jovens que cumprem medidas sócio-educativas, indígenas.ABr: Asconferências livres são um destaque dentro desseprocesso?Cury: Claro, éuma novidade nesse processo de realização de conferências como fórum para ouvir a sociedade. A gente teve participaçãode jovens que estão cumprindo medidas sócio-educativas no Caje[Centro de Atendimento Juvenil Especializado], em Brasília, jovens que cumprem o serviço militar no quartel do Exército em Alagoas, jovens indígenas em Tabatinga [AM], na fronteira com a Colômbia,e jovens que participaram do Festival de Cinema de Tiradentes. Alémdas conferências livres, realizamos também aconsulta nacional a jovens de povos e comunidades tradicionais, jovens descendentes de quilombolas, indígenase ciganos, que elegeram 46 delegados para a Conferência Nacional da Juventude.Foi um processo muito rico.ABr: Dentre as revindicações dos quase 4 mil participantes das pré-conferências,algumas já são antigas. O que já vem sendo feitocom relação aos temas trazidos agora pelos jovens, desde a criaçãoda Secretaria da Juventude?Cury: As duasprincipais preocupações que apareceram com mais forçasão referentes à educação e ao trabalho. Todoesse processo já reforça a linha que a gente vinhaseguindo com base em pesquisas, mas vão para além doque já havia sido feito. O que sair como resoluçãoserá referência para o governo aperfeiçoar o queestá fazendo, ampliar e, evidentemente, se houver algumalacuna, implementar ações ou programas que estejamdescobertos. É importante frisar que o tema juventude érecente, são três anos de uma política específicareconhecendo a juventude como segmento social. Temos a consciênciaque muito há por se fazer, e, certamente, nesse processo, que vemdebaixo para cima, começando nos municípios, ajuda acomprometer prefeitos e governadores também. Envolver as três esferas de governo é essencial para uma política de juventude.ABr: Ageração de hoje, invariavelmente, é apontada comoalienada. Mas a participação de tantos jovens nas pré-conferências já não seria um indício de que isso pode estar mudandoCury: Tenhoconvicção disso. Há alguns anos atrás,quando se falava de movimentos juvenis, se pensava muito em movimentoestudantil, era a UNE [União Nacional dos Estudantes] ea UBES [União Brasileira dos Estudantes Secundaristas].Hoje, a atuação do jovem vai além. Claro que o movimento estudantil continua tendo umpeso importante nos movimentos juvenis, mas não é sóisso. Há uma multiplicidade de organizaçõesde jovens que tratam, por exemplo, da questão ambiental, deprevenção de doenças sexualmente transmissíveis,de combate ao uso de drogas. Há ainda uma gama deorganizações juvenis que trata de qualificaçãoprofissional, de inclusão digital. O que se tem hoje éum mosaico plural de organizações juvenis que têm umamilitância social, mas não, necessariamente,político-partidária. Eu acho que é um chavãodizer hoje que a juventude é alienada.ABr: Nas propostas relacionadas ao trabalho, que serão discutidas na conferência, há um tópicoespecífico sobre a ampliação e o fortalecimento doProjovem, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens. O que ainda falta para o programa?Cury: Com acriação do novo Projovem e ampliação daescala de cobertura, o programa foi aperfeiçoado do ano passado para cá. Acho que o grande desafioque nós temos hoje é sensibilizar essa juventude aparticipar do programa. Nós temos recursos, mesmo com o cortede orçamento para esse ano. São quase R$ 1,3 bilhão, recurso suficiente para atender aproximadamente 1 milhão dejovens. É preciso mobilizar os gestores públicos aexecutarem os programas lá na ponta junto conosco, e ter a adesão de prefeitos e governadores ao programa.ABr: Os gestores públicos têm consciência daimportância de implementar políticas específicas para osjovens?Cury: Ainda não.Costumo falar que nós estamos tentando ganhar coraçõese mentes dos agentes políticos e dos gestores públicos.Ainda tem prefeito e governador que acha que ter políticade juventude é criar uma assessoria qualquer, colocar ali umjovem que não tem força para dialogar com outrossecretários e ,de vez em quando, fazer um torneio esportivo defutebol e vôlei, ou um promover um show musical. O futebol e ovôlei não são toda a dimensão do esporte.O show musical não é toda a dimensão da cultura.E o esporte e a cultura são componentes essenciais, mas nãosão toda a dimensão da política de juventude. Então,consolidar essa cultura juvenil é o nosso desafio. Acho que a conferência vai ajudar muito nisso. Ela darávisibilidade à temática e dará força para a sociedade civil pressionar os gestores locais a criar os espaços dejuventude, conselhos e coordenadorias.ABr: Umdos temas que será debatido na conferência éa segurança. No caso dos jovens, o assunto merece um recorteespecial?Cury: A questãoda segurança precisa ser enfrentada não só doponto de vista da repressão, mas da ampliação deoportunidades. É preciso combinar as duas coisas. Ao mesmotempo, é importante desenvolver ações para aquelesjovens que já estão apenados, cumprindo medidassócio-educativas. Nós vamos implantar o Projovem dentrodos presídios. Até o final de 2009, devemos chegar a 15mil jovens, que cumprem pena, estudando para aumentar sua escolaridade, para se qualificar profissionalmente. Eles vão receber também o auxílio financeiro do programa. Isso para que essejovem que está cumprindo pena saia com mais possibilidades.ABr: Umadas propostas que surgiram nas etapas estaduais foi dar statusde ministério à Secretaria da Juventude para ministério. Que diferençaisso faria?Cury: Mais doque ser ministério, o fundamental é que o gestor dejuventude, em qualquer esfera, tenha força dada pelo chefe doExecutivo. No caso do município, o prefeito. No caso doestado, o governador e, no caso do governo federal, o presidente daRepública. No caso do governo federal, a secretaria tem forçapolítica para dialogar com os ministérios, para que programas específicos para o segmento sejam implementados. A secretaria cumpre, assim, o papel de agente coordenador dessa política.Mas se você cria um Ministério da Juventude e os outrosministérios acharem que tudo de juventude responsabilidade só desse ministério, na realidade, em vez de fortalecer, enfraquece.