Para analista político, população hoje percebe que integração regional é útil

20/10/2007 - 23h44

Julio Cruz Neto
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Advogado de formaçãoe jornalista no dia-a-dia, o argentino Mario Wainfeld concedeu entrevista à Agência Brasil sobre a eleição presidencial em seu país, marcada para o próximo domingo (28). Entre os diversos temas abordados, comentou a integração regional. Para ele, trata-se de um tema ainda distante para a maioria da população, mas que começou a ganhar espaço no imaginário popular após a grave crise que arrasou o país no início do século.Segundo ele, formou-se uma "crítica muito grande" aos organismos decrédito, ao Fundo Monetário Internacional, à relação com os Estados Unidos, aogoverno de George W. Bush, e isso gerou uma mudança de percepção. As pessoas passaram a achar que a integração é útil para suas questões cotidianas.Colunista do jornal Página 12 eprofessor de Jornalismo Político na Universidade de BuenosAires (UBA), Wainfeld falou de outros pontos cruciais para o processo eleitoral,como política econômica, política externa,indicadores sociais e casos de corrupção no governoKirchner.AgênciaBrasil: A eleição está decidida em favor deCristina Kirchner, que lidera com folga as pesquisas, ou podemos teroutro resultado?Mario Wainfeld: Apercepção geral é que, apesar das dificuldadesque o governo Kirchner teve este ano, a candidata Cristina vai ganharas eleições em primeiro turno. Mas as pesquisas aquinão são muito confiáveis, os pesquisadorestambém trabalham para o governo. Eu diria que há uns80%, 90% de chance de Cristina ganhar no primeiro turno.ABr: E por queas pesquisas não são confiáveis?Wainfeld: Emalgumas das últimas eleições provinciais(estaduais), as projeções não se confirmaram, eeram favoráveis ao oficialismo. Ganhou a oposição,quando se dizia que ganharia o kirchnerismo. A maioria dospesquisadores são contratados pelo governo, e por outro ladonós argentinos somos desconfiados.ABr: Essadesconfiança nas pesquisas é uma exclusividade dostempos de Kirchner ou sempre aconteceu? Há problemas dedemocracia na Argentina?Wainfeld: Sãoduas coisas diferentes. A desconfiança em relaçãoàs pesquisas sempre houve e quem está perdendo em geraldiz que estão sendo manipuladas. Isso tem sido bastantediscutido ultimamente, mas sempre houve. Eu, pessoalmente, nãopercebo que a Argentina, embora não tenha um sistemademocrático perfeito, sofra uma declinaçãoparticular. Me parece que acontece o contrário. Em funçãoda política de direitos humanos do governo, por um lado, e docrescimento econômico, que aumenta o poder dos sindicatos, ascoisas, em pequena medida, melhoram em termos democrático.ABr: E osindicadores sociais, como estão?Wainfeld: QuandoKirchner assumiu, a Argentina recém-começava a sair deuma crise fortíssima. Aí os indicadores começarama melhorar muitíssimo, e essa á a força que temo governo, principalmente na questão do emprego. Kirchnerassumiu com mais de 20% de desemprego e agora há cerca de 10%.Há menos pobreza, embora haja muitíssima, comparandocom 30, 40 anos atrás. De toda forma, melhoraram muito osindicadores. E ainda que falte fazer muito e haja muita injustiça,é isso que garante ao governo um mínimo de 40% de votosa nível nacional. Quando assumiu a presidência, Kirchnerteve 22%.ABr: Resta algumindicador muito desfavorável?Wainfeld: Semdúvida, o ponto fraco é a distribuição derenda. A Argentina é um país muito injusto nadistribuição de riqueza e isso diminuiu pouco. Ospobres melhoraram um pouco, mas os ricos estão em situaçãomuito melhor. Embora tenhamos o orgulho, o desejo de ter muita classemédia e não ter muitas diferenças, a Argentinaatual não representa esse ideal.ABr: Vocêdisse antes que Kirchner viveu um ano complicado politicamente.Refere-se aos casos de corrupção e à criseenergética?Wainfeld: Acrise energética não parece uma coisa muito séria,porque não atingiu muito os lares e o preço da energia,que é muito barata. Os principais problemas são oscasos de corrupção, que derrubaram váriosfuncionários e a ministra da Economia, uma ministra muitoimportante. E também o Indec [Instituto Nacional deEstatística e Censos, acusado de manipular índices deinflação]. O governo fez uma série demedidas, demitiu gente, interveio, mas ficaram muito desprestigiadosos índices oficiais.ABr: E o caso damala de dinheiro com a qual um empresário venezuelano tentouentrar ilegalmente na Argentina, em companhia de funcionáriosdo governo?Wainfeld:Evidentemente, também foi um golpe para o governo, nãosó por ter entrado uma pessoa não argentina com umamala com quase US$ 800 mil, mas porque a pessoa é venezuelana.Existe muita discussão sobre a relação entre osdois governos. Uns estão a favor, outros contra, mas a relaçãofoi golpeada. A real magnitude ainda não se conhece, mas ontem(terça-feira, 14) a candidata Cristina Kirchner apresentou suacandidatura e hoje a manchete de todos os jornais é a questãoda mala.ABr: Algunsanalistas avaliam que Cristina está adotando uma postura maisdistante da Venezuela do que a de Kirchner. O senhor concorda? Ésó uma estratégia eleitoral ou a políticaexterna da Argentina pode mudar?Wainfeld: Cristinanão fez nenhuma declaração, nenhum movimento,que permita pensar que vai mudar a relação com aVenezuela. Não creio que vai mudar o substancial nessarelação, que implica intercâmbios econômicosmuito importantes. A Argentina vende para a Venezuela quatro vezes oque vendia há cinco anos, tem acordos energéticos, aVenezuela compra bônus argentinos... E a Argentina impulsiona aentrada da Venezuela no Mercosul. São especulaçõesde alguns analistas, não são as minhas e nãocreio que isso ocorra.ABr: Para aintegração regional e a política externaargentina de maneira geral, não haveria mudanças comCristina então?Wainfeld: Pareceque não. O que se costuma dizer é que Kirchner nãose interessa muito por relações internacionais, nãogosta de viajar, de ir à ONU, à OIT... E que a Cristinatem mais disposição e talvez fortaleça os laçoscom o Primeiro Mundo. Quanto à relação com oMercosul, é uma linha forte do kirchnerismo e não vaimudar, nem em relação à Venezuela, nem aoBrasil, nem ao Chile...ABr: E se ganharoutro candidato?Wainfeld: Parecedifícil... Se ganhar [Roberto] Lavagna, certamente umaparte do peronismo que agora está com Kirchner, ele puxariacom rapidez. O peronismo se acomoda muito, Lavagna éperonista... Porém, teriam dificuldades porque estariam emminoria no Congresso e quase não teriam nenhum governo deestado. O mesmo se passaria com Elisa Carrió. A percepçãoque se tem é de que um governo Lavagna não seria decontinuidade, porque está se apresentando para isso, paramarcar diferenças. Mas haveria algumas semelhanças empolítica econômica. Um governo de Carrió seriamenos previsível, seguramente seria uma ruptura maior, umaaposta maior de mudança.ABr: A Argentinaestá dependente da Venezuela após ter vendido US$ 5bilhões em títulos de sua dívida para este país?Wainfeld: Quandoum país tem relação especial com outro, em algumsentido depende. Mas a Argentina não fez concessões emsua política doméstica, teve pontos-de-vistadiferentes, manteve distância. Nas relaçõeseconômicas, um recebe e outro dá. A Argentina tambémvende muito para a Venezuela e tem aspiração deexportar muito mais. Em algum sentido, há interdependência.ABr: AArgentina, que cresceu tanto nos últimos anos, beirando os 10%ao ano, é um país seguro ou corre risco por pressõesinflacionárias e outros fatores?Wainfeld: Quandoficou claro que haveria crescimento por muitos anos, o governo teve aopção de frear e diminuir as possibilidades decrescimento do emprego, distribuição de riqueza eaumento do PIB, ou seguir a toda velocidade e ver o que se faria coma inflação. O governo preferiu a segunda opção:crescer, crescer, crescer, muito consumo, consumo, consumo, e hárisco de inflação. Custa para o governo controlar,discute-se qual o alcance, a projeção. Sem dúvidaa Argentina tem inflação mais alta que nos últimosanos. Muitos economistas, não só os integrantes dogoverno, pensam que a Argentina pode sustentar uma economia mais oumenos estável com inflação de 12% a 15% ao ano,com muito trabalho, desde que se cresça muito e se consumamuitíssimo. Outros pensam que não, mas a inflaçãoé uma questão. Assim como é uma questãose esse crescimento serve para diminuir a pobreza e a desigualdade,ou se são necessárias medidas mais específicas.ABr: AArgentina, Buenos Aires principalmente, tem tradição deser um país avançado, o mais europeu da Américado Sul, de certa forma destoando do resto do continente, mas hojefala muito de integração. Isso é só umabandeira de Kirchner com Chávez e Lula ou é de fato umaquestão do debate eleitoral? Os argentinos se importam comisso?Wainfeld: Paraas pessoas comuns, a questão da integração édistante. Elas pensam em seu trabalho, em educar seus filhos, emquanto ganham, se podem pagar o aluguel... De qualquer forma, nopensamento dos argentinos após a crise, lá pelo ano2000, há uma crítica muito grande aos organismos decrédito, ao FMI, à relação com os EUA, aogoverno Bush, então houve uma mudança de percepção,de que a integração é útil para aspessoas em suas questões cotidianas, que a economia vaimelhorar com todos os países da região, em especial oBrasil.