Projetos enfrentam dificuldades para aproximar polícia e comunidades

20/09/2006 - 19h14

Marcela Rebelo
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Os especialistas ouvidos pela Agência Brasil são unânimes em afirmar que boa parte dos problemas de segurança pública no Brasil seriam resolvidos caso a polícia e as comunidades atuassem em parceria. Na prática, esse é um desafio ainda pouco enfrentado no país. E os projetos existentes demonstram que a tarefa é necessária, porém nada fácil. Durante seis meses, em uma delegacia da Ceilândia, no Distrito Federal, a Polícia Civil desenvolveu um projeto para aproximar a instituição da comunidade. O delegado responsável pelo projeto, Célio Cintra, conta que o programa consistia na realização de ações sociais e policiais preventivas. O primeiro passo foi conscientizar os líderes comunitários para que eles mobilizassem a população para participar do processo. “Eles criaram uma espécie de teia. Quando a pessoa acredita na idéia, ela passa para vizinho, que fala para o amigo”, afirma Cintra, que reconhece a falta de preparo dos policiais para lidar com as comunidades.No entanto, segundo ele, o fato de a população não ter o costume de participar em processos desse tipo tornou o trabalho mais difícil. “Falta interesse da comunidade. Para ela, é mais fácil transferir a responsabilidade. Se alguém vê uma pessoa entrar na casa do vizinho, não se mete porque acha que é um problema da polícia.” Como parte do projeto desenvolvido na Ceilândia, os policiais civis promoveram palestras em escolas da cidade para que a população tivesse acesso a informações importantes na área de segurança pessoal, violência infanto-juvenil, drogas e trânsito. “A Ceilândia também tem um comércio forte e enfrenta vários crimes relacionados à área do consumidor. Em algumas palestras, por exemplo, orientávamos o comerciante a respeitar data de validade e conservação dos produtos”, lembra o delegado.  Uma equipe circulava nas escolas, no comércio, perguntando como a comunidade gostaria de ver a polícia atuar, quais horários eram mais problemáticos. Essa equipe possuía ainda um sistema de comunicação direta com os motoristas de van da cidade. Foi desenvolvido ainda um disque-denúncia próprio para a delegacia. “Além de reduzir a violência, o projeto trouxe uma sensação de segurança. A população também passou a acreditar no trabalho da polícia porque passou a fazer parte deste trabalho de gestão”, avalia Cintra.Apesar dos bons resultados, o projeto está parado por falta de pessoal. Os seis policiais que percorriam as ruas foram redirecionados para atender demanda da própria delegacia. O delegado que tocava o projeto licenciou-se do cargo para participar da campanha de um candidato a deputado federal. No Rio de Janeiro, um projeto mais amplo de policiamento comunitário em favelas também revela os benefícios e as dificuldades enfrentadas por um programa desse tipo. Durante dois anos, o antropólogo da Universidade de Brasília (UnB) Marcus Cardoso estudou  a implantação do Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE) nas comunidades do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, na zona sul do Rio de Janeiro, em 2000. Nesse caso, segundo ele, a experiência não deu certo por conta da postura omissa, corrupta e violenta dos policiais.As conclusões estão na dissertação de mestrado defendida em 2005 e intitulada como “Eu finjo que não te vi, você finge que não me vê: uma etnografia sobre a relação entre polícia comunitária, tráfico e população favelada”.O Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE) foi inspirado em um projeto da polícia de Boston, nos Estados Unidos. Ele seria uma unidade essencialmente preventiva e eventualmente repressiva. Todas as atividades da polícia seriam definidas com consulta à comunidade. O descumprimento desses princípios e a falta de confiança da população nos policiais levaram o programa ao fracasso nas favelas Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, de acordo com o pesquisador da UnB.Em 2004, o Centro de Justiça Global denunciou à relatora especial das Nações Unidas sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias e Arbitrárias, Asma Jahangir, a tortura e execução de três jovens na favela do Pavão-Pavãozinho durante operação policial realizada pelo GPAE. De acordo como Centro de Justiça Global, os policiais invadiram casas fortemente armados, sem farda, com rostos pintados, camisas pretas, toucas e boinas. Além de revoltar-se contra a morte dos jovens, a comunidade reclamou da forma anônima como os policiais agiram. Em reuniões com o grupamento, os policiais haviam se comprometido a não atuar sem farda e identificação.