Sociedade civil espera política diferenciada de saúde para a Amazônia

18/09/2006 - 11h09

Thaís Brianezi
Repórter da Agência Brasil
Manaus - Um olhar mais atento para as particularidades da Amazônia, que se traduza em mais diálogo e maior financiamento público. É isso que os representantes da sociedade e os gestores governamentais da Amazônia ouvidos pela Agência Brasil esperam do próximo governo federal, na área de saúde.“O teto financeiro para vigilância em saúde [verba destinada pela União aos estados e municípios para controle de endemias, como a malária| deveria ser maior na Amazônia do que nas outras regiões do Brasil”, defendeu Bernardino Albuquerque, diretor técnico da Fundação de Vigilância em Saúde [órgão do governo do Amazonas|. “Cerca de 80% desse recurso na Amazônia é gasto com pessoal e combustível. O custo de vacinação no sul do país aqui pode ser multiplicado por pelo menos 10 vezes”.“A política de saúde ainda é muito macro: o que vale para o Centro-Oeste não necessariamente serve para cá”, avaliou o conselheiro estadual de saúde no Amazonas, Joaquim Barros Neto, representante dos conselhos de classe. “O governo federal precisa fazer uma discussão mais ampla com os estados da Amazônia. Aqui o rio comanda a vida (referência à obra clássica do pesquisador Leandro Tocantins). No nosso estado, por exemplo, temos 25 mil quilômetros de rios navegáveis e menos de mil quilômetros de estradas”.Para o coordenador estadual da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no Amazonas, Francisco Ayres, o grande desafio a ser enfrentado pelo governo federal no próximo mandato será a consolidação da política de atenção básica à saúde indígena. “Os povos indígenas estão mobilizados e cientes dos seus direitos, do que querem”, opinou. “O próximo presidente terá que sentar com eles para dialogar. Até porque essa questão é de interesse internacional – logo, pode ter impacto sobre todo o governo”.“Conversamos com o presidente Lula antes de sua vitória, ajudamos a elegê-lo e nos decepcionamos. Poucas propostas foram cumpridas”, declarou o vice-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Marcos Apurinã. “Então nossas expectativas para o próximo governo continuam altas. Você tem que ver o indígena não como se ele fosse qualquer um, porque ele tem uma cultura diferente, ele tem uma língua própria. É esse respeito que queremos”.Outro desafio, segundo os ativistas e especialistas ouvidos pela Agência Brasil, é garantir um tratamento adeqüado aos diferentes povos da região. Na floresta, a população espalhada ao longo dos rios, em locais distantes e de difícil acesso, aumenta a complexidade dessa missão. Nas cidades, o crescimento demográfico não planejado superlota postos e hospitais.De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 70% dos 20 milhões de moradores da Amazônia vivem em aglomerados urbanos, a maior parte deles cidades pequenas. Na metrópole mais populosa, Manaus (AM), com cerca de 1,8 milhão de pessoas, apenas quatro em cada dez habitantes conseguem atendimento básico de saúde na rede pública, de acordo com conselheiro municipal de saúde Isaías Fernandes, representante dos usuários. “Há uma demanda grande por mais hospitais, postos de saúde, profissionais qualificados”, afirmou.No interior, endemias tropicais continuam a castigar os ribeirinhos. No Amazonas, por exemplo, os casos de malária subiram de 152,4 mil, em 2004, para 229,3 mil, no ano passado. “O grande problema é a falta de sustentabilidade para o controle da doença. Temos dificuldades com aquisição de equipamentos e de insumos estratégicos, como veneno”, lamentou o diretor técnico da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS, órgão estadual responsável pelo controle de endemias), Bernardino Albuquerque.Para Ayres, o Brasil se destaca no mundo pelo aumento da população indígena. No Censo 2000, o número de pessoas que se identificou como indígenas foi de cerca de 734 mil – e elas se concentram na Amazônia. “A dificuldade de atender bem os povos indígenas é grande. Começa pela contratação de profissionais especializados, como dentistas, farmacêuticos e nutricionistas, para trabalhar nas aldeias”, revelou. “Eles precisam passar pelo menos 30 dias consecutivos nas áreas indígenas. O choque cultural é significativo”.Apurinã, destacou as dificuldades gerenciais nos convênios entre a Funasa e as organizações que prestam atendimento de saúde aos povos indígenas. Elas estariam ligadas à  burocracia na prestação de contas e ao constante atraso no repasse de recursos. “Como os parentes sempre falam, doença não espera, mata. Precisa morrer gente para o governo se mexer?”