Paciente pega estrada em busca de tratamento negado em sua cidade

18/09/2006 - 9h51

Marcela Rebelo
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A falta de articulação entre governos federal, estadual e municipal com relação à saúde pública deixa os brasileiros no meio de um sistema repleto de omissões na qual o paciente é quem mais sai perdendo.Com infra-estrutura precária e poucos profissionais, postos de saúdes e hospitais de cidades pequenas recomendam que os moradores busquem atendimento em municípios vizinhos e capitais. Em muitos casos, as prefeituras cedem até ambulâncias para que isso aconteça.Ao chegar no hospital da cidade vizinha, os pacientes encontram dificuldade para receber atendimento e ainda são hostilizados pelos moradores por conta da superlotação. Essa realidade é bem presente, inclusive, na capital do país.No estacionamento do principal hospital de Brasília, o Hospital de Base, dezenas de ambulâncias de outros estados deixam, todos os dias, pacientes em busca de ajuda. Uma outra parcela chega ao Distrito Federal de ônibus, por conta própria. É o caso da professora Nilmacyr Dias dos Santos, de 33 anos. Moradora de Valparaíso de Goiás, ela viaja 30 quilômetros até Brasília para fazer pré-natal e tratamento para leucopenia (redução de glóbulos brancos no sangue).“Não tem médico especialista na minha área em Valparaíso. Lá tem um hospital que funciona, praticamente, como posto de saúde. Tem só pronto-socorro e algumas consultinhas básicas, como clínico-geral.”.Gestante, a professora ouviu dos médicos de Valparaíso que passa por uma gravidez de alto risco e por isso não há como receber atendimento no município goiano.Para tratar-se de leucopenia, há seis anos, ela viaja quatro vezes por mês para Brasília, onde é acompanhada por um hematologista e um psiquiatra. Vindo de ônibus, a jornada leva cerca de uma hora na estrada. “Além do tempo que espero para ser consultada e do tempo que espero na parada de ônibus”. Ao todo, Nilmacyr toma um dia por semana para viajar até a capital federal.As assistentes sociais do Hospital de Base encaminharam, segundo ela, uma carta à prefeitura de Valparaíso explicando que era tratada na capital federal e solicitando uma ajuda para passagens de ônibus e medicação.“Eles me deram uma carteirinha de portador de necessidades especiais. Mas eu tenho que brigar com os motoristas porque alguns dizem que só vale para o município. Aí eu me faço de desentendida e fico esperando eles abrirem a porta, é o jeito.”A professora enfrenta problemas também para conseguir medicações. “Se eu preciso de um medicamento lá, eles não atendem porque a receita é do Distrito Federal. Sendo que lá não tem médico especialista para me dar a receita. Às vezes eu consigo, mas depois de muita insistência, de eu brigar, chorar, explicar. É tudo muito complicado.”Mesmo com tantos problemas, Nilmacyr ainda se considera sortuda por conseguir atendimento. “Eu ainda tive muita sorte de conseguir ser atendida aqui, ter o meu cartão daqui, mas tem muita gente que não tem”.Nilmacyr conta que, certa vez, uma médica do Distrito Federal falou sobre a necessidade da própria população brigar para conseguir atendimento médico perto de casa. “Mas como? Brigar como? O que a gente pode fazer, faz. Agora se eles falam que não tem recurso, fica nisso.”A professora considera que o ideal seria uma “união do governo federal e estadual para fazer um hospital bom que atendesse a comunidade”.Um em cada dez atendimentos feitos em hospitais de Brasília são de pacientes residentes fora do Distrito Federal. O dado é da Secretaria de Saúde do Distrito Federal sobre o primeiro semestre deste ano.Foram realizados no setor de emergência dos hospitais da capital federal 1,1 milhão de atendimentos, sendo 133 mil a pacientes residentes fora do Distrito Federal. Somente das cidades goianas, foram 114 mil atendimentos. Com relação à internação, foram 55 mil, sendo 12 mil de pacientes de outras unidades da federação.