Especial 8 – Reforma prevê democracia de gestão, pedagógica, financeira e de manifestação estudantil

19/03/2005 - 10h26

Luciana Vasconcelos
Repórter da Agência Brasil

Brasília - A proposta de reforma universitária apresentada pelo governo federal propõe como um de seus principais eixos a construção de uma gestão democrática nas instituições de ensino superior públicas e privadas. O projeto inclui a autonomia financeira, pedagógica e administrativa das universidades, garantindo liberdade de manifestação do movimento estudantil e eleições diretas para reitor, além da formação de Conselhos Sociais com a participação da sociedade.

O presidente da Capes e integrante da Comissão Executiva da Reforma da Educação Superior, Jorge Almeida Guimarães, diz que, atualmente, as instituições federais de ensino superior (IES) já têm autonomia didático-científica, "podendo prever em seu plano de desenvolvimento institucional (PDI), de acordo com a sua avaliação, suas prioridades em termos de ensino, pesquisa e extensão". Guimarães explica que "o que as IES públicas federais buscam é a autonomia de gestão financeira, que permitirá remanejamento de rubricas orçamentárias no âmbito da própria IES para fazer frente aos seus compromissos prioritários em torno de suas funções básicas".

Para o representante Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), Roberto Leher, a aprovação da Lei de Inovação foi o que tornou a pesquisa científica dependente dos interesses das empresas financiadoras, ferindo a autonomia pedagógica. A lei de Inovação foi aprovada pelo Congresso em dezembro de 2004 e institui mecanismos de articulação entre institutos de ciência e tecnologia e universidades para financiar a produção científica. A lei também regula parcerias entre empresas, universidades e institutos tecnológicos.

Leher avalia que "a universidade forma os quadros qualificados, faz a pesquisa básica, produz de maneira mais livre e com horizonte estratégico mais dilatado. Quando o financiamento vem pelo contrato de uma empresa, a universidade passa a dirigir suas atividades para atender demandas específicas e imediatas do mercado", avalia.

A União Nacional dos Estudantes comemora a proposta de permitir eleições diretas para reitor nas instituições federais de ensino superior. Atualmente, professores, funcionários e estudantes podem ser submetidos a uma consulta acadêmica onde os votos têm proporções diferentes. A partir do resultado, monta-se uma lista tríplice com os nomes mais votados. Outra opção é a formação de um colégio eleitoral formado por docentes, funcionários e alunos, também em diferentes proporções. As listas tríplices são enviadas ao ministério da Educação, que define o vencedor.

"As eleições diretas sempre foram uma reivindicação nossa. Achamos um avanço acabar com a lista tríplice e permitir que a comunidade escolha seus dirigentes. Achamos inclusive que deveria ser estendida para as privadas as eleições diretas de seus dirigentes", diz Gustavo Petta, presidente da UNE.

Aldo Vannucchi o reitor da Universidade de Sorocaba e presidente da Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (Abruc), diz ser também uma boa idéia outro ponto do anteprojeto, os Conselhos Sociais. "A comunidade tem uma participação muito importante, ela é essencial. A raiz da universidade com a comunidade é permanente. É louvável a idéia do Conselho no anteprojeto, mas para nós isso é redundante, pois somos universidades comunitárias, a sociedade já está presente no nosso conselho, com representantes da Câmara, vereadores, prefeito e pessoas da comunidade".

O professor da Universidade de São Paulo, Ricardo Musse, também defende a extensão da gestão democrática para as particulares. Musse acredita que os professores deveriam poder interferir mais nas decisões das faculdades que, segundo ele, são administradas como empresas. "Há um administrador que se comporta como um administrador de empresas. As demandas educacionais não são levadas em conta. Muitas das universidades privadas efetivadas nos anos 1990 pelas medidas neoliberais adotas pelo ex-ministro da Educação, Paulo Renato, até investiram na contratação de docentes, mas isso não repercutiu na qualidade. A universidade depende não só de doutores, mas de gerência. O sistema de ensino precisa ser montado a partir dessas pessoas", afirma.

No sentido de uma gestão democrática vem a proposta da constituição do Conselho Comunitário Social, que deverá discutir ensino, pesquisa, extensão e administração da universidade. O conselho será formado pelo reitor, vice-reitor, representantes do Poder Público e, segundo o anteprojeto, terá participação majoritária de representantes de instituições de fomento científico, entidades de classe, sindicatos e da sociedade civil. "Há que se formar em cada instituição conselhos, onde pessoas independentes da instituição pudessem emitir um juízo, em que medida aquela instituição está cumprindo o seu papel social", defende o secretário-executivo do Conselho Nacional de Educação, Ronaldo Mota.

Para o secretário, o conselho será a "voz do controle social" e poderá garantir a qualidade do ensino da instituição. Segundo ele, não há um modelo de formação única dos conselhos, que deverão se adaptar às características vocacionais e regionais de cada instituição.

O representante do Andes, Roberto Leher, se preocupa, no entanto, com a representatividade dos membros que deverão compor o conselho. "A composição com que o governo Lula está trabalhando nos conselhos existentes é basicamente de um conselho empresarial. Isso ficou claro no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social". Para ele, as atribuições do conselho podem interferir nos rumos das universidades com propósitos que priorizem o lucro, por exemplo. "Não cabe a um conselho social fazer a definição de prioridades da universidade. A produção de conhecimento tem questões próprias", afirma.

Colaboração de Juliana Andrade