Brasília - A viagem da comitiva presidencial ao Oriente Médio que se inicia na próxima terça-feira enfrenta dois embates políticos: o conflito entre árabes e israelenses e a posição dos Estados Unidos em relação a alguns países que estão no roteiro oficial da visita. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva optou por visitar apenas nações árabes, entre elas a Líbia e a Síria, dois países que constam na lista negra do governo norte-americano como patrocinadores de ações terroristas no ocidente. Lula vai se encontrar com o primeiro-ministro palestino, Ahmed Qurie, mas não passará por Telavive, nem terá reuniões com nenhuma liderança israelense. Segundo o Itamaraty, não vai haver implicações negativas para o país, mas a opinião não é unânime.
"Visitar Fidel Castro foi um tiro no pé. Visitar Muammar Kadafi são dois tiros", opina o cientista político Carlos Pio, professor de economia política internacional do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Na avaliação dele, a atitude pode atrair retaliações desnecessárias dos EUA, que forçam para que a Líbia deixe de abrigar organizações que julgam ser terroristas e patrocinadas por Kadafi. "Lula tem um tributo político a prestar ao líder líbio, mas é uma ação que não ajuda o Brasil em nada e atrapalha na trajetória do País em busca de espaço no cenário internacional", ataca Carlos Pio.
Segundo ele, o País ainda precisa do apoio norte-americano. "Temos alianças comerciais importantes com os EUA e, por fim, o Brasil ainda tem porte pequeno para entrar de frente em briga de cachorros grandes", enumera o cientista político.
A posição dos Estados Unidos, contudo, não preocupa o historiador palestino Hanna Safieh. Ele acredita que, nas últimas décadas, o Brasil superou finalmente a filosofia imposta pelo governo Dutra de que "o que é bom para os EUA, é bom para o Brasil". Pedro Motta Pinto Coelho, Diretor do Departamento de África do Itamaraty, explica que desde o fim do embargo imposto pelas Nações Unidas à Líbia, a inserção do país na economia internacional tem crescido muito. "Os Estados Unidos devem se relacionar com a Líbia da forma que julgarem correta e o Brasil deve agir da maneira que achar melhor", defende Pinto Coelho.
Safieh ressalta que a diplomacia vive um momento eclético. "Da mesma forma como o Brasil teve importante papel durante a criação do Estado de Israel, em 1947, hoje defende a criação do Estado Palestino", exemplifica.
Questão israelense
Segundo o Itamaraty, Lula vai se encontrar com Ahmed Qurie, primeiro-ministro da Palestina, no Cairo, capital do Egito, dia 9. A reunião tem como objetivo discutir a crise entre palestinos e israelenses. Contudo, não está prevista passagem por Telavive.
"O fato do Brasil não visitar Israel nessa viagem não significa uma atitude preferencial do governo. Já está sendo estudada uma viagem para Israel", afirmou Sarkis Karmiriam, Diretor Geral do Departamento de Oriente Próximo. Para Safieh, um encontro com ambos na mesma viagem seria um constrangimento diplomático. "Não há necessidade de criar polêmicas. O Brasil apóia o processo de paz e, por isso mesmo, não deveria visitar os dois lados na mesma viagem", opina.
O embaixador de Israel em Brasília, Daniel Gazit, também não vê problemas no itinerário de Lula. "O Brasil tem boas relações com os países árabes e não tem obrigação de passar por Israel", reconhece, antecipando que seu país deve fazer um convite formal ao presidente nos próximos meses. "Relações internacionais são diferentes de familiares ou de amizade. Ficamos chateados com um parente de fora que vai próximo à nossa casa e não nos visita. Com as nações, não há esse tipo de constrangimento", desconversa.
Mundo árabe e Mercosul
Antes de se tornar presidente, Lula esteve diversas vezes na região. Por isso, já tem noção da receptividade do povo. "Essa visita tem muito a acrescentar nas já boas relações do Brasil com o mundo árabe. O Brasil tem um lugar especial no coração do Oriente Médio", saúda o decano dos embaixadores árabes em Brasília, Musa Salim Odeh, também embaixador da delegação palestina no Brasil. "Os árabes gostam do esporte, da música e da simpatia dos brasileiros", completa.
Musa Odeh acredita que a iniciativa de Lula em convocar uma cúpula de países árabes e latino americanos, prevista para o ano que vem, será muito bem vinda pelos países visitados. "Ele representa os interesses brasileiros e do Mercosul; os países árabes têm seus próprios interesses. Muitas vezes, eles são comuns às duas regiões", diz, citando, como exemplo, a reformulação da ONU. "Pela forma como é conduzida a política externa brasileira, o Brasil ganharia o apoio dos países árabes para ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança", supõe.
"O Brasil tem posições pacíficas e mediadoras nos conflitos internacionais e, mesmo assim, é extremamente comprometido com seus princípios. Por isso merece posição de destaque e liderança entre os países em desenvolvimento", sustenta o embaixador palestino.
Colaborou Marcos Chagas